ADRIANA PAULA DOMINGUES TEIXEIRA

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FELICIDADE NO TRABALHO É UMA BUSCA POSSÍVEL ?

FELICIDADE NO TRABALHO É UMA BUSCA POSSÍVEL ?

BEM- ESTAR NO TRABALHO À LUZ DA PSICOLOGIA POSITIVA

 

Adriana Paula D. Teixeira

Trabalho apresentado à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, no âmbito da Pós-Graduação Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização

 

RESUMO: O presente estudo abordará o conceito de bem-estar no trabalho à luz da psicologia positiva e suas implicações. Serão verificados os instrumentos para o florescimento no trabalho e a relevância deste construto para a saúde dos trabalhadores e prosperidade das organizações. Embora as pesquisas ainda sejam incipientes no campo do bem-estar no trabalho há evidências que boas práticas, baseadas em emoções positivas e organizações positivas, são determinantes para o bem- estar no trabalho, com o aumento da produtividade, de forma direta ou indireta pela redução dos índices de absenteísmo e aumento da retenção dos trabalhadores. Para o desenvolvimento do presente trabalho foi utilizado o levantamento bibliográfico das fontes relevantes de livros e artigos a partir da consulta a bases de dados BVS, Scielo Brasil e Google. O problema principal a ser abordado no curso do presente artigo jurídico é o papel da psicologia positiva no bem-estar no trabalho e quais são os instrumentos colocados à disposição do indivíduo-trabalhador e das organizações na busca desta felicidade, como forma de se garantir uma vida plena, com propósito e realizações. Em síntese, a partir do olhar da psicologia positiva sobre as potencialidades, como poderemos aprender o florescimento no trabalho como um caminho para uma vida mais saudável e plena de realizações. Uma visão mais ampla do trabalho, não apenas como um meio de subsistência, satisfação de necessidades primárias e enfoque mais negativo (animal laborans), associado a sofrimento, sacrifício e privações, para uma visão positiva, de um meio de realizações pessoais e de florescimento ( homo faber).

 

«El mejor destino, la mejor suerte que puede tener un ser humano,  es que le paguen por lo que le gusta hacer.» Vázquez, Santiago. La felicidad en el trabajo... y en la vida (Abraham Maslow apud Vázquez).

 

Palavras-chave: Bem-estar no trabalho. Psicologia Positiva. Papel das Organizações Saudáveis. Saúde Física e Psíquica. Florescimento.

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Em Busca do Bem-Estar no Trabalho; 2.1 Instrumentos para a Consecução de uma Organização Saudável; 3. Considerações Finais

 

  1. INTRODUÇÃO

 

A evolução tecnológica trouxe mais conhecimento e informação nas últimas décadas do que nos últimos séculos. Natural, portanto, que a difusão do conhecimento impactasse na sociedade, na política e na economia. Grandes transformações decorrentes do processo de globalização influenciaram diretamente os padrões da sociedade, do trabalho e dos meios de produção, tornando-os mais dinâmicos e flexíveis.

Do trabalho típico, decorrente de um contrato de trabalho clássico, com a perfeita delimitação do lugar da prestação de serviços, do tempo e do empregador, passamos a um mundo líquido, em constante modificação.

A ideia de um único emprego e carreira tradicionais é substituída por contratos atípicos, precariedade no trabalho e uma carreira mutante (proteus). Um dos fatores associado a este cenário é o crescente desemprego motivado pela automação e baixa especialização da grande massa de trabalhadores. Este último problema faz com que em dado momento a reinserção destes trabalhadore no mercado de trabalho não seja mais possível.

 Atualmente, o trabalhador nem conhece ao certo a figura ou rosto do seu empregador pela enorme ramificação e fragmentação das empresas em novos arranjos de produção, com a terceirização e o surgimento do setor quaternário.

Neste mundo de mais incertezas do que garantias, neste mundo instável , fluído e líquido, como preconizado pelo sociólogo Zygmunt Bauman, em sua obra Modernidade Líquida (Bauman, 2000),  a única certeza parece mesmo a mudança.

O mundo moderno e o pós-moderno não são os mesmos. É fato. Para o professor da Usp Ribeiro (2019, informação verbal)[1]:

 “No mundo moderno a estabilidade no trabalho era arranjar um emprego enquanto que nos relacionamentos afetivos era casar. No mundo contemporâneo, heterogêneo, flexível e complexo, a estabilidade vem do interior e das negociações do indivíduo com as relações que o circulam, sejam elas profissionais ou afetuosas.”.

Estamos vivendo o mundo VUCA.[2] É neste cenário de incertezas, ansiedades e adoecimentos que surge a psicologia positiva a partir da mudança de um enfoque. Ao invés da investigação das patologias e dos tratamentos, abordagem que prevalecia na Psicologia clássica, passa-se a se preocupar com as potencialidades, os talentos e o diferencial das pessoas positivas a partir do conceito de resiliência, como a capacidade de vencer adversidades e se fortalecer, tornando-se melhor do que antes. Assim, a psicologia positiva lança o olhar sobre o motivo pelo qual pessoas submetidas às mesmas condições ambientais apresentam comportamentos diferenciados. São mais resilientes do que outras. Por que em um mesmo ambiente laboral, submetidos a idênticas condições de trabalho, apenas um determinado grupo de trabalhadores adoece, apresenta doenças ocupacionais, como Ler e Dort? O que diferencia os trabalhadores que não sofrem nenhum abalo na saúde física ou psíquica? São perguntas que procuraremos responder à luz da psicologia positiva. 

A psicologia positiva trouxe uma mudança do enfoque. A preocupação desloca-se das patologias, das fraquezas e infelicidade e é direcionada para as fortalezas, potencialidades, em busca de um sentido e da melhoria da qualidade de vida em suas diversas dimensões, como forma de prevenção das patologias. O desenvolvimento ótimo das potencialidades e habilidades dos indivíduos, considerando as emoções, as caraterísticas (forças de caráter e virtudes) e as instituições positivas, são os pilares da psicologia positiva para a felicidade nas abordagens hedônica e eudaimônica.[3]

A ciência da Felicidade, tal como conhecida atualmente, tem como marco o ano de 1998, quando o então Presidente da American Psychological Association (APA), Martin Seligman, lança este movimento científico denominado de Psicologia Positiva.

Como destacado por Magalhães e Lobo, no artigo A Psicologia Positiva e as Organizações (2012), anteriormente a Psicologia Humanista chegou a se debruçar sobre a temática, com destaque aos estudos das pessoas saudáveis de Maslow.

No campo do trabalho, o movimento humanista representou uma reação aos métodos de produção taylorista, levando uma maior humanização ao trabalho, com a participação dos trabalhadores nas decisões referentes ao ambiente laboral, assegurando-se uma horizontalização no processo de tomadas de decisões, ao invés da verticalização tradicional deste tipo de relação de subordinação.

Contudo, foi a partir da posição assumida por Martin Seligman na presidência da American Psychological Association é que houve o investimento maciço em pesquisas científicas e a construção dos alicerces científicos da Psicologia Positiva, como uma ciência direcionada ao estudo do bem-estar em suas diversas dimensões (bem- estar subjetivo, bem-estar psicológico, bem-estar social e bem-estar no trabalho) para a consecução de um florescimento humano. Este movimento tem o mérito de trazer evidências científicas sobre os efeitos positivos da felicidade nas mais diversas dimensões, inclusive no trabalho.

 O ponto de partida e chegada passa a ser a felicidade em suas múltiplas dimensões.

Para Silva e Toledo (2017, p.28-29)[4] o conceito de felicidade de Seligman e Czikszentmihaly teve inicialmente duas abordagens distintas, hedônica e eudaimônica. Apenas posteriormente, de acordo com os mesmos autores (2017), é que algumas teorias, como as de Keyes (2005) e de Peterson, Park e Seligman (2005), concebem os dois conceitos como complementares.

Para Vázquez (2012) também é preciso conciliar o conceito de felicidade hedônica com eudaimônica no âmbito do trabalho. Tem que agregar prazer com propósito, com a utilização de nossas fortalezas em busca de uma satisfação. Nesse sentido, assevera:

“En mi opinión deberíamos acuñar un término que integrase las dos facetas de la felicidad, porque no se puede alcanzar la felicidad sin placer (hedonismo), pero tampoco se puede alcanzar sin estar satisfechos con la utilización de nuestras capacidades (eudaimonia). Nos encontramos, por tanto, ante un importante cambio de paradigma, en una nueva era, que el Foro Internacional de Davos denomina Human Age, en la que el trabajo, por el espacio que ocupa en nuestras vidas y por la importancia que tiene en la utilización de las fortalezas, se convierte en un espacio propicio para ser feliz. Si vamos a trabajar cuarenta o más años, ¿podemos renunciar a intentar ser felices en el trabajo?, ¿es posible plantearse ser felices en la vida sin ser felices en el trabajo?” (VÁZQUEZ, 2012, p.186)

 

 Assim, na atualidade, prevalecem as duas abordagens, com o entendimento que a felicidade é construída, integrando um processo, com experiências positivas, com sentido e propósito.

Já se sabe que há correlação entre a regularidade destes sentimentos positivos e a durabilidade da felicidade. Ou seja, quanto mais sentimentos positivos nutrirmos maior a possibilidade de termos a felicidade em nossas vidas de maneira duradoura e recorrente. Pesquisas também demonstram que experiências positivas, como viagens e serviços sociais (fazer o bem ao próximo), proporcionam sentimentos mais duradouros do que a aquisição de bens materiais. Pessoas felizes tendem também a ter menos estresse, com impacto direto no viver melhor e por mais tempo.

A felicidade é um conceito amplo e envolve várias dimensões. O estudo presente limita-se à busca da felicidade no âmbito do trabalho. A relevância da temática decorre do fato de passarmos cada vez mais tempo no ambiente de trabalho. Cerca de 1/3 de nossas vidas é dedicado ao trabalho. Natural, portanto, o interesse na temática e sua atualidade, considerando o aumento da expectativa de vida e as dificuldades cada vez maiores na obtenção da aposentadoria, o que torna inviável a postergação da felicidade para um momento futuro.

Este artigo basea-se em uma revisão bibliográfica para a compreensão da influência da Psicologia Positiva no Bem-estar no trabalho, com uma mudança na perspectiva deste. A importância desta temática na atualidade é essencial. A psicologia positiva lança luz sobre a relevância do resgaste do propósito e sentido, inclusive no trabalho, evitando-se o adoecimento pela falta de sentido e apatia perante a vida, que leva a quadros de impotência, burnout e depressão, consequências de afetos negativos. Além das virtudes, qualidades e potencialidades humanas, que podem ser desenvolvidas no ambiente laboral, com o florescimento pessoal, serão analisados os recursos materiais que as organizações podem disponibilizar para tal desiderato, bem como ações e programas, com a identificação dos elementos comuns nas organizações saudáveis.

 O trabalho passa de um instrumento de subsistência para um meio de realização e reconhecimento pessoal e social, na perspectiva do trabalhador. Para as sociedades, o bem- estar no trabalho leva a uma maior interação, comprometimento e engajamento, com o aumento da produtividade e, por consequência, dos lucros e prosperidade. Todas essas transformações vêm de encontro aos desafios da pós-modernidade, onde a construção de atributos psicológicos sólidos e estáveis é essencial para lidar com um mundo tão líquido e instável.

O artigo foi dividido em três tópicos. Iniciaremos com uma breve contextualização do surgimento da psicologia positiva, dos seus pilares e âmbitos de aplicação, com a abordagem dos conceitos de felicidade hedônica e eudaimônica. Posteriormente, falaremos sobre a felicidade no trabalho, com a correlação dos conceitos de qualidade de vida e bem- estar. Encerraremos com os estudos das organizações saudáveis e com algumas conclusões sobre as razões que justificam a busca de um trabalho com maior propósito e satisfação, objeto da psicologia organizacional positiva.

O estudo baseou-se nas fontes relevantes de livros e artigos a partir da consulta a bases de dados BVS, Scielo Brasil, e Google. O problema principal a ser respondido no curso do presente artigo jurídico é o papel da psicologia positiva no bem-estar no trabalho e quais são os instrumentos colocados à disposição do indivíduo-trabalhador e das organizações na busca desta felicidade para se garantir uma vida plena, com propósito e realizações.

 

  1. EM BUSCA DO BEM-ESTAR NO TRABALHO

 

Assim como a felicidade, o conceito de bem-estar tem várias dimensões, a dimensão subjetiva, psicológica e no trabalho.

O bem-estar subjetivo equipara-se à felicidade hedônica, a satisfação com a vida (dimensão cognitiva ou intelectual) e prevalência de afetos positivos (dimensão emocional ou afetiva). Trata-se de um conceito subjetivo de satisfação com a vida, envolvendo uma análise feita pela própria pessoa e não por terceiros, do que lhe dá prazer, preponderância de aspectos positivos sobre os negativos, daí a denominação de bem-estar subjetivo. O bem-estar psicológico está relacionado com o conceito de felicidade eudaimônica das virtudes e potencialidades, da capacidade de buscar sentido à vida, envolvendo crescimento pessoal e propósito de vida, de uma vida significativa não apenas para si. O bem-estar no trabalho está relacionado com a satisfação no âmbito do trabalho, envolvendo os dois conceitos anteriores de prazer e busca de sentido, onde as satisfações se dão por diversos móveis, como nas relações com colegas de trabalho e chefia, com o crescimento na instituição e reconhecimento salarial até identificação com os propósitos e valores da organização, reconhecidos como relevantes do ponto de vista pessoal e social.

Ainda neste contexto, existem os termos qualidade de vida e felicidade no trabalho. Embora apresentem elementos comuns não são sinônimos, como se poderia imaginar à primeira vista. O entendimento dominante é que embora distintos os termos são complementares.

Esclarecedor o conceito dado por Csikszentmihalyi e referido por Farsen no artigo Qualidade de vida, Bem-estar e Felicidade no Trabalho:sinônimos ou conceitos que se diferenciam ( 2004 apud Farsen et al, 2018, p.37):

 

“Apesar da falta de consenso teórico e da utilização dos termos como sinônimos, especialmente das relações entre “qualidade de vida e bem-estar e “bem- estar e felicidade”, salienta-se que estes são sim constructos diferentes, entretanto, complementares. Percebe-se que a qualidade de vida está mais voltada à saúde física e às questões objetivas, tais como aspectos ergonômicos e nutricionais, e menos relacionada com emoções e sentimentos. Nesse sentido, a promoção de bem-estar e da felicidade, conceitos considerados mais subjetivos, supre as lacunas relacionadas às emoções e sentimentos dos trabalhadores, pois inclui as questões subjetivas menos atendidas pela promoção de qualidade de vida no trabalho. Ao final compreende-se que a composição promovida pelos três fenômenos é que promoverá a possibilidade de construção de uma organização saudável, onde o princípio base é o equilíbrio e alinhamento entre qualidade de vida, bem-estar e felicidade, produtividade, qualidade e rentabilidade organizacional .”

 

Na mesma linha de pensamento, Malvezzi (2015, apud Farsen et al, 2018) reconhece a interface da qualidade de vida com o bem-estar que acaba por culminar com a felicidade, como um processo mais duradouro e construído.

 

Para Siqueira e Padovam (2008, p.205):

 

“Ainda não existem na literatura concepções claras sobre o conceito de bem-estar no trabalho. Quando tratam do assunto, os pesquisadores escolhem conceitos diversos para representá-lo, quer seja um fator positivo como satisfação com o trabalho (Amaral & Siqueira,2004), quer seja conceitos negativos como burnout ( maslacha, Schaufeli & Leiter, 2001) ou estresse ( Byrne,1994). Ademais, bem-estar e saúde são abordados de forma interdependente, especialmente quando os pesquisadores apontam fatores que possam comprometer ambos, tais como perigos do ambiente de trabalho, fatores de personalidade e estresse ocupacional ( Danna & Griffin, 1999) ou, ainda, segurança no trabalho, horas trabalhadas, controle do trabalho e estilo gerencial ( Sparks, Fargher &Cooper, 2001). Para os propósitos deste artigo, bem- estar no trabalho é concebido como um conceito integrado por três componentes:satisfação no trabalho, envolvimento com o trabalho e comprometimento organizacional afetivo.”

 

 

Na atualidade, temos o desafio no campo do trabalho de buscar respostas que assegurem um equilíbrio e harmonização entre a necessidade das organizações de se manterem competitivas e produtivas e o bem-estar no trabalho do ponto de vista do trabalhador. A complexidade atual do trabalho, pelos fenômenos da globalização e evolução tecnológica, leva a novas necessidades e ao redesenho do trabalho, na sua ressignificação em busca de um sentido.

 A eficiência no trabalho não decorre mais dos modelos fordistas ou tayloristas de trabalhos monótonos, repetitivos e de fácil ou simples execução. É preciso a busca do desafio e da motivação, pois as tarefas mais simples são facilmente substituidas pelas máquinas. Como veremos, a felicidade no trabalho pode ser conquistada pela conjugação das dimensões material (de um ambiente de trabalho adequado do ponto de vista físico, das tarefas desenhadas, do maquinário e da ergonomia) interrelacional (interação entre colegas de trabalho, lideranças e administração da empresa) e espiritual, na busca do sentido e propósito do trabalho para o indivíduo (pessoais, profissionais e organizacionais), de maneira que possa se sentir desafiado e estimulado para o atingimento do estado de flow.

Para Silva, Boehs e Cugnier a Psicologia Positiva aplicada nas Organizações e no Trabalho pode ser definida como:

 

“A Psicologia Positiva nas Organizações e no Trabalho pode ser considerada uma área de conhecimento e um campo de atuação de natureza interdisciplinar e multiprofissional (SCHEIN, 1982), cujo propósito é estudar as estruturas, os processos e os comportamentos dos seres humanos nas organizações, de modo a favorecer/facilitar a construção de comportamentos autênticos, íntegros e positivos, sempre com o intuito de construir o desenvolvimento ótimo dos seres humanos, em suas diversas e complexas situações de trabalho.” (SILVA et al.,2017,p.635)

 

Nas organizações saudáveis há o alinhamento da qualidade de vida, bem-estar e felicidade, com a produtividade, qualidade dos produtos, serviços e rentabilidade, conforme ressaltado por Mihaly Csikszentmihalyi (2004 apud SILVA et al,2017). Cada vez mais o trabalho vem ocupando uma posição central na vida das pessoas, considerando o tempo em que se permanece e se vive neste ambiente. Representa, por outro lado, uma identidade e também um status social, favorecendo a autoestima pela relevância, seja conferida pela sociedade, seja pelo próprio indivíduo ao atribuir significado e sentido ao seu trabalho.

Como bem ponderado por Vázquez (2012), não há como dissociar o prazer pela vida do prazer no trabalho, investindo em uma filosofia de vida dissociada do trabalho ante a interconexão dessas esferas da vida.

Ademais, com a disseminação de políticas de Estado mínimo, com o aumento do tempo de contribuição e idade para aposentação, e o crescimento da expectativa de vida da população, é certo que o trabalho acompanhará praticamente toda a existência do ser humano. Nele passa-se pelo menos um terço dos nossos dias e vida. Logo, não faz sentido uma vida destituída de significado profissional, equiparando o trabalhador a uma mera engrenagem do processo de produção. Um trabalho prazeroso terá influência direta nas outras esferas e dimensões de vida do homem, no ambiente privado, familiar e social. Esses círculos estão cada vez mais conectados na pós-modernidade, de maneira que o desequilíbrio em um deles traz consequências imediatas nos outros por não serem mundos estanques. É preciso a busca por um equilíbrio entre o tempo de trabalho e o tempo destinado às outras dimensões, pois o indivíduo também não pode se resumir ao seu trabalho.

A integração e harmonia entre esses mundos são ressaltadas pela empresária e Presidente do grupo Magazine Luiza, sra. Luiza Helena Trajano, no livro de Márcio Fernandes, Felicidade dá lucro: lições de um dos líderes empresariais mais admirados do Brasil (2015), ao enfatizar que na vida pessoal e profissional os líderes devem ser unos, de maneira que quando opera-se a transformação na vida profissional estes líderes também se tornam melhores nas demais esferas da vida.

As novas formas de organização do trabalho, como o teletrabalho, apesar de tornarem possível a inserção de categorias mais heterogêneas no mundo do trabalho, antes excluídas, como as mulheres, com o reequilíbrio das responsabilidades parentais, ocasionaram, ao mesmo tempo, um aumento da conflitualidade entre os ambientes do trabalho e o privado, com a terceirização de atividades, que antes competiam de forma exclusiva às mulheres, como os cuidados com as crianças e idosos. Este é outro fator determinante para a qualidade de vida no trabalho, a distribuição equitativa do tempo entre as esferas da vida. Ambientes de trabalho saudáveis são os que observam os diversos papéis do trabalhador, permitindo o trabalho sem culpa.

As organizações do trabalho, classificadas como saudáveis, já perceberam esses novos desafios e passaram a ver como relevantes os investimentos nas virtudes e forças de caráter dos trabalhadores de seu corpo interno. Para isto, a psicologia positiva, trouxe uma mudança na abordagem dos problemas e na filosofia de gestão. Ao invés de um olhar direcionado aos aspectos negativos, das patologias, as soluções surgem a partir dos pontos positivos nos três pilares referidos, das emoções, características e instituições positivas. O investimento em programas destinados a um diagnóstico e a aplicação de técnicas duradouras motivacionais para o fortalecimento de comportamentos positivos, vem sendo uma realidade atual das grandes e médias empresas pelos resultados positivos apresentados nas questões relativas à produtividade, absenteísmo e qualidade do trabalho. A participação de todos os trabalhadores neste processo de transformação, com o treinamento de líderes autênticos, faz com que haja maior motivação, com a descentralização de atividades, participação efetiva e autônoma dos trabalhadores em todas as etapas da produção, com uma comunicação aberta e transparente. Um trabalhador em um ambiente de trabalho saudável dificilmente fará uma opção pela saída, o que faz com que haja redução no índice de rotatividade, muito alto e comum em funções de baixo investimento.

Assim, o bem-estar no trabalho sob o ponto de vista do trabalhador está relacionado com a criação de vínculos afetivos positivos com o trabalho, a satisfação no trabalho, o envolvimento com o trabalho, que pode levar ao flow[5], e com a organização, o denominado comprometimento organizacional afetivo, o sentimento de pertencimento, alinhamento com a missão e objetivo da organização.

Segundo Siqueira e Padovam a satisfação no trabalho poderia ser conceituada como um vínculo positivo com o trabalho motivado:

 “ pelas satisfações que se obtêm nos relacionamentos com as chefias e com os colegas de trabalho, as satisfações advindas do salário pago pela empresa, das oportunidades de promoção ofertadas pela política de gestão da empresa e, finalmente, das satisfações com as tarefas realizadas.”(SIQUEIRA E PADOVAM,2008,p.206).

 

 Farsen destaca o papel das organizações saudáveis no foco na saúde física e psíquica do trabalhador, asseverando:

” A ênfase na saúde física e psíquica do trabalhador tem sido pilar básico à construção de organizações saudáveis, o que, segundo Salanova (2008), se caracteriza como ambientes de trabalho onde são realizados esforços sistemáticos, planejados e proativos para melhorar a saúde dos seres humanos, por meio da organização saudável das tarefas, do ambiente físico e psicossocial e das estratégias de equilíbrio trabalho e outros espaços de vida.” (FARSEN et al.2018,p.32).

 

Outro elemento destacado pela psicologia positiva como relevante no bem-estar no trabalho é a formação de lideranças transformadoras, com uma comunicação não violenta, gerando um ambiente de trabalho mais assertivo e confiável.

Ainda que no Brasil haja carência de pesquisas, comparativamente à Europa e EUA, é possível estabelecer uma correlação entre o aumento do bem-estar no trabalho com uma maior produtividade, seja de forma direta, com o aumento da performace e rendimento dos trabalhadores, seja de forma indireta pela redução das patologias e dos índices de absenteísmo, principalmente das doenças de origem psicológica e dos acidentes laborais, além de uma maior retenção no trabalho.

 

Nesse sentido, afirma Farsen et al. (2018,p.35-36):

 

“O constructo felicidade, sendo caracterizado como um estado psicológico positivo, tem sido utilizado com baixa frequência na pesquisa acadêmica sobre as experiências dos seres humanos nas organizações. Entretanto, nas últimas duas décadas os estudos realizados sobre felicidade no trabalho têm apresentado como resultado maior desempenho daqueles trabalhadores que possuem um alto estado psicológico positivo. Tal constatação pode ser exemplificada pelas pesquisas realizadas por Wright e Cropanzano (2000) e Zelenski, Murphy e Jenkins (2008) que identificaram respectivamente que os trabalhadores felizes são os mais produtivos, sendo também menos propensos a demonstrar comportamentos de absenteísmo e rotatividade, e costumando agir de maneira positiva, indo além do exigido no trabalho. Dessa forma compreende-se que ao se investir na valorização das pessoas e nos seus propósitos, a tendência é que as organizações se tornem mais rentáveis por meio de resultados positivos ( Fernandes, 2015). Em síntese, pessoas que apresentam um estado psicológico positivo, tendem a perceber e interpretar o seu ambiente de forma diferente, sendo mais otimistas e preparadas para os desafios futuros.”   

 

Embora as pesquisas ainda sejam incipientes no campo do bem-estar no trabalho é possível verificar que a promoção da positividade nas relações laborais contribui para a redução das enfermidades, dos índices de absenteísmo, incremento na produtividade e retenção dos trabalhadores, com a elevação da experiência e qualificação profissionais.

Para a compreensão do conceito de felicidade no espaço do trabalho Silva, Boehs e Cugnier (2017) destacam três dimensões. A dimensão material, relacional e espiritual. Tais dimensões devem ser vistas de forma conjunta, inter-relacionadas e não de forma isolada. Na dimensão material, existencial, teríamos os recursos físicos, relacionados à infraestrutura, equipamentos adequados e seguros, a questão da ergonomia e da salubridade, a correta adequação das tarefas, enfim aspectos relativos à segurança do trabalho, que propiciem um trabalho seguro e confortável para os trabalhadores, com maior prazer. Na dimensão relacional temos a qualidade das relações entre os gestores e trabalhadores, onde são relevantes as virtudes e forças de caráter relacionadas com a confiança, otimismo, empatia, resiliência, esperança, gentileza e gratidão. Por fim, temos neste modelo a dimensão espiritual, onde estão inseridos os propósitos pessoais, profissionais e organizacionais, onde o ponto relevante é que as tarefas sejam realizadas com propósito e significado harmonizado com as missões e objetivos da própria organização, daí a relevância do conhecimento das tarefas e de todos os processos envolvidos no trabalho ( desenho do trabalho).

As organizações saudáveis reúnem todas estas dimensões, sendo destacadas por Silva, Boehs e Cugnier (2017,posição 736) as seguintes peculiaridades:

 

“a) os relacionamentos existentes entre os colegas de trabalho são saudáveis e gratificantes; b) os gestores são percebidos como íntegros e confiáveis; e c) a missão e a visão, sobretudo positivas, são interpretadas e compartilhadas como significativas e de alta relevância para todos os interessados (BURCHELL; ROBIN, 2012). São caracterizados como contextos físicos e psíquicos de trabalho, nos quais predominam o reconhecimento e a valorização de potencialidades, das qualidades, das virtudes e dos comportamentos positivos nos ambientes de trabalho (SNYDER; LOPEZ, 2009). A nosso ver, as organizações saudáveis não constituem “meras” utopias ou miragens. Elas são viáveis, desde que ancoradas em sólidos pressupostos de qualidade de vida, bem-estar e felicidade, requisitos considerados indispensáveis à sua construção.”

 

Somam-se a estas peculiaridades dois outros atributos destacados e referidos por Salanova (2008 apud Silva, Boehs e Cugnier, 2017, posição 742) como relevantes:

 

 “ (...) concepção de organização, que significa os modos de construção das estruturas e dos processos organizacionais, como por exemplo dos desenhos das tarefas, dos horários de trabalho, dos estilos de gestão e de liderança, da eficiência, da eficácia e da efetividade organizacional, bem como das políticas e das práticas de gestão de pessoas.”

 

Como registro histórico Sauer e Rodriguez ( 2014) relatam que foi a partir da década de 1970 que surgem os primeiros estudos de qualidade de vida no trabalho , realizados por Walton. Trata-se de um importante modelo para se avaliar a qualidade de vida no trabalho ( QVT), o qual aborda desde as necessidades básicas dos trabalhadores até as condições organizacionais, correlacionando a satisfação e autoestima à qualidade de vida no trabalho. A partir daí surge uma preocupação com o elemento humano, com seu bem-estar físico e psicológico.

No modelo de Walton são destacadas oito dimensões com influência na qualidade de vida. São elas:

“compensação adequada e justa (equidade salarial); as condições de trabalho (seguras e saudáveis), as oportunidades de desenvolvimento das capacidades (autonomia na execução das tarefas); as oportunidades de crescimento e segurança; integração social na organização, ausência de preconceitos e apoio; a importância das normas e regras; ao trabalho e espaço total da vida, relação equilibrada entre o papel do trabalho e os outros níveis de vida do empregado e a última dimensão aborda a relevância social da vida no trabalho”. (FARSEN et al.,2018,p.33) 

 

Para Vazquez o engajamento tem relação direta com o suporte social, autoeficácia, gratidão, esperança e liderança, destacando os seguintes recursos para a melhoria do engajamento:

“No nível das pessoas: promover bondade e gratidão, mindfulness, treinamento e redesenho do trabalho, gestão de carreira. No nível das equipes: promover grupos liderados por gestores engajados, formar equipes positivas, redesenhar equipes. No nível organizacional: trabalhar o desempenho, elevação da qualidade das relações, desenvolvimento de lideranças.” (VAZQUEZ,2020,p.78).

 

Forçoso é concluir que a complexidade atual do mundo do trabalho leva a uma ressignificação do mesmo, não apenas como um meio de se assegurar o sustento e sobrevivência, mas uma forma de se alcançar um bem-estar psicológico e a felicidade. Tais ideários não são utopia, porque empresas positivas geram maior produtividade e lucro, elementos objetivos suscetíveis de serem mensurados. Como bem explicitado por Fernandes (2015, posição 54): “ A felicidade é a causa e o lucro o efeito.” É a felicidade causada pelo trabalho com engajamento e propósito, que gerará mais lucro pelo aumento natural da produtividade.[6]

 

2.1. INSTRUMENTOS PARA A CONSECUÇÃO DE UMA ORGANIZAÇÃO SAUDÁVEL

 

O que torna ou faz uma organização saudável? Esta é uma pergunta que procuraremos responder ao longo deste último capítulo. A resposta a este questionamento filosófico guarda relação direta com a harmonia que deve existir entre os meios de produção para a viabilidade de um negócio ou empresa. É preciso investimento não apenas no elemento material, nas condições ambientais, ou físicas do trabalho, mas no elemento humano, consistente nas interações entre trabalhadores e gestores. Disto decorre a relevância atual dos estudos dos instrumentos utilizados no desenho do trabalho, não apenas do ponto de vista das organizações e no aumento da sua eficiência, mas do ponto de vista do trabalhador (redesenho- job crafting).[7] A busca desta harmonia é que leva ao resultado de um maior engajamento, produtividade, bem-estar e felicidade no trabalho.

É fundamental, portanto, a motivação com o trabalho, que este agregue valor não apenas para os trabalhadores, mas para a empresa e para os parceiros externos, como clientes ( consumidores potenciais) e fornecedores. A motivação leva ao florescimento, a maior produtividade e criatividade para os trabalhadores e a maior rentabilidade e inovação do ponto de vista da empresa, como ente social. O sucesso depende do equilíbrio entre bem -estar e felicidade e, do outro lado, produtividade e rentabilidade organizacional.

Conforme já destacado por Burchell e Robin ( 2012, apud Boehs e Silva, 2017), as principais características de lugares, que são considerados, do ponto de vista dos trabalhadores, como excelentes para se trabalhar, são o relacionamento entre colegas e lideranças e a harmonia entre o propósito subjetivo do trabalhador e a missão da empresa. Ou seja, os relacionamentos humanos são mais relevantes para a felicidade do que o ambiente e condições físicas de trabalho, como os instrumentos e até mesmo a retribuição salarial.

Ressaltam como elementos essenciais o reconhecimento e valorização de potencialidades (as virtudes e forças de caráter da psicologia positiva), a existência de práticas de reconhecimento para a motivação dos trabalhadores, a relevância social de produtos e serviços, a existência de ações, programas de gestão interna na empresa, com o desenho das funções e total transparência. Também há ênfase no desenvolvimento de lideranças autênticas, que gerem confiança naquilo que dizem, pois há equivalência previsível entre o que dizem e o que fazem, sem que haja nenhum fator surpresa, capaz de gerar desconfianças e incertezas no ambiente de trabalho, colocando em questionamento a própria autoridade de um líder, com o surgimento de conflitos internos.

Para Boehs (2017,p.62):

“Os atributos de um gestor ou líder autêntico poderá também ser relacionado e acompanhado de outras qualidades ou valores, como por exemplo integridade (fazer o que fala, cumprir o que promete), honestidade, humildade, gratidão, gentileza e, sobretudo, um interesse genuíno na emancipação intelectual, emocional e espiritual dos seres humanos (os geridos). Posto isso, um dos papéis centrais dos gestores, a partir dos princípios que deverão nortear uma gestão efetivamente positiva, é o de contribuir para o desenvolvimento do capital intelectual, social e psicológico dos trabalhadores.”

 

Sintetiza, por fim, Salanova (2009, apud Boehs,2017) os requisitos fundamentais à construção, desenvolvimento e manutenção de organizações saudáveis:

“a) a saúde integral dos seres humanos como um fim em si mesmo; b) a edificação de ambiente físico e psicossocial seguro e saudável; c) o desenvolvimento de um ambiente de trabalho inspirador e gratificante, para todos os seres humanos que integram a comunidade organizacional; d) criar políticas e práticas efetivas de reconhecimento, de modo que os trabalhadores se sintam comprometidos com os propósitos organizacionais; e) confeccionar produtos e prestar serviços que possam ser percebidos como relevantes socialmente, tanto para os trabalhadores, como para os consumidores, que, de modo direto ou indireto, poderão se beneficiar deles; f) estabelecer relações saudáveis com o ambiente externo das organizações, sempre por meio de excelentes políticas e práticas de responsabilidade ambiental e social.”

 

Com a psicologia positiva surgiram pesquisas sobre práticas positivas no âmbito das organizações e estudos dos resultados destas, com a identificação das organizações tidas por saudáveis. Há uma mudança do foco dos aspectos patológicos para os positivos, das virtudes, fortalezas e pontos de otimização do trabalho. Surge o conceito de psicologia organizacional positiva (POP), preocupada com os conceitos de resiliência nas organizações e melhoria da saúde dos seus colaboradores pela valorização e motivação do trabalho.

Destaca-se a investigação apreciativa como um método que valoriza as fortalezas. Segundo Ribeiro Budde e Silva (2017,p.290-291)[8]:

 

”Essa metodologia foi criada nos Estados Unidos por David Cooperrider e Suresh Srivastva (GRENVILLE-CLEAVE, 2012), e sua base está no construcionismo social. Na investigação apreciativa o diagnóstico e a mudança ocorrem de forma simultânea. É desenvolvida em 4 etapas ou fases, consistentes na descoberta, no sonho, no projeto e no destino. Inicialmente há a delimitação do tema , que se pretende a abordagem e mudança. São feitas perguntas positivas aos trabalhadores. Essa primeira fase consiste na “descoberta”, momento em que “ a organização aprecia o que tem de melhor ao compartilhar eventos de sucesso.” (Ribeiro,Budde e Silva, 2017,p.292). Na segunda fase, denominada de sonho, há o compartilhamento das expectativas de melhora, do que poderia ser ainda aperfeiçoado. A partir das vivências do presente e passado procura-se imaginar ou construir novos caminhos para o futuro. Para Stavros, Godwin e Cooperrider ( 2016, apud Ribeiro, Budde e Silva, 2017, p.293): “ Sonhar é uma atividade significativa que leva a níveis mais altos de criatividade, compromisso e entusiasmo para o futuro da organização.”

 

A terceira fase, denominada de delineamento para Ribeiro, Buddle e Silva (2017, p.293-294) é dividida em dois momentos: brainstorming e projetos. “No primeiro, a equipe, grupo ou organização elabora uma lista de atividades e ideias para criar uma organização ideal. Estas são atividades e processos que podem ser planejados e implementados em alinhamento com os sonhos criados na fase anterior. O segundo passo, diz respeito à construção efetiva das proposições que resultarão em sugestões de projetos que serão referências para a organização no futuro (RAZZOLINI FILHO et al., 2013).”

A última etapa, denominada de destino, é quando o plano de ação construído na etapa anterior de planejamento é posto em prática, com a análise dos resultados.

O diferencial desta metodologia é o enfoque no positivo, um olhar para o que está em bom funcionamento. O estudo parte desta premissa e não a partir do problema, do mau funcionamento, em busca de soluções. Este é o enfoque da psicologia positiva, o que confere um aspecto inovador e revolucionário nesta abordagem, que visa à melhoria das condições de trabalho e, por conseguinte, da produtividade, que , como vimos, tem correlação direta com o bem-estar subjetivo e psicológico do trabalhador.

Para Moreira e Leite (2010, apud Ribeiro, Budde e Silva, 2017, p.296):

 

” (...) a aplicação de uma gestão participativa apresenta uma série de vantagens aos trabalhadores e também para a organização, como, por exemplo: desenvolvimento organizacional expressivo, participação dos trabalhadores na construção dos objetivos organizacionais e distribuição equitativa de responsabilidade e resultados.”

 

Outro modelo voltado para o desenvolvimento organizacional com enfoque na resiliência sob o ponto de vista das organizações é o desenvolvido pela equipe de Want da Universidade Jaume I de Castellón, capitaneada por Salanova, com o conceito de organização saudável e resiliente na busca do funcionamento ótimo da saúde das pessoas e das organizações, baseado no binômio: saúde e resiliência. Trata-se do modelo Heros (HEalthy & Resilient Organization/Organizações Saudáveis e Resilientes), que visa a implantação de práticas saudáveis melhorando o ambiente de trabalho em tempos de crises, fazendo com que as organizações resistam a situações adversas e saiam mais fortalecidas com soluções inovadoras e criativas, com foco na resiliência sob o ponto de vista coletivo, da organização como um todo. 

De acordo com Gumbau, Martinez e Salanova ( 2017) o modelo Hero[9] basea-se em três variáveis, recursos e práticas organizacionais saudáveis, empregados e grupos saudáveis e resultados organizacionais saudáveis, com emprego de medidas qualitativas, mediante entrevistas, e quantitativas, com uso de questionários, onde a melhoria de qualquer um destes elementos acaba por impactar positivamente nos demais.

 

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Apesar das dificuldades das pesquisas no Brasil sobre os efeitos das práticas e políticas positivas nas organizacões voltadas ao bem-estar no trabalho já é possível observar a relevância desta mudança de enfoque também na dimensão do trabalho através de pesquisas  práticas realizadas em projetos como Hero na concepção de Organizações Saudáveis e Resilientes.

 A transformação não se dá apenas do ponto de vista das organizações, gerando maior estabilidade e produtividade, mas, sobretudo, do trabalhador, com o aumento da qualidade de vida a partir da descoberta do propósito e sentido no trabalho. A relevância desta perspectiva é proporcional ao espaço do trabalho na vida moderna e pós-moderna. Cada vez mais presente e intenso em nossas vidas, seja pelo aumento da expectativa de vida , seja pela própria mudança de valores, onde o bem-estar e o prazer não são mais possíveis de serem relegados para o futuro. O tempo em que os sonhos eram adiados para um momento futuro de jubilação não é mais uma realidade da atualidade. Então, cada vez mais crescem os estudos em busca do sentido da vida no trabalho para que possamos usufruir do máximo de nossas potencialidades, pois a vida é relativamente curta para ser relegada ao acaso. É preciso um norte, um propósito e um sentido para que haja a plenitude da nossa existência.

É possível concluir, portanto, que no Mundo VUCA da pós-modernidade a busca da qualidade e bem estar no trabalho serão fatores determinantes para a felicidade, tanto do ponto de vista do trabalhador quanto das organizações.

A psicologia positiva tem papel essencial neste processo de transformação, porquanto apresenta um amplo objeto de estudo, com reflexos na saúde, no trabalho e nas organizações. Há, por outro lado, uma forte interconexão entre o sentido do trabalho para o trabalhador, o seu engajamento, um ambiente de trabalho saudável e organizações saudáveis e produtivas. É mesmo impossível buscar o conceito de felicidade dissociado da dimensão do trabalho pela expansão e amplitude atual deste conceito.

 Assim, o papel das organizações saudáveis se mostra relevante, como meio de se assegurar a felicidade no trabalho e como consequência, e não causa, a maior produtividade e rentabilidade.

De outro norte, os trabalhadores devem buscar reforçar as emoções positivas estudadas de forma mais profunda pela psicologia positiva, como os conceitos de resiliência, gratidão, sentido de vida, esperança, otimismo e flow, com a ressignificação do trabalho, buscando novas funcionalidades e valores as tarefas desenvolvidas. O investimento na qualificação de líderes transformacionais é também essencial neste processo de otimização para que haja uma comunicação ampla e de confiança entre gestores e geridos, com transparência e ética, tendo como resultado organizações saudáveis e um ambiente de trabalho capaz de gerar engajamento, pertencimento, florescimento, reconhecimento, saúde, gratificação e, enfim, a felicidade. O homem pós-moderno deve compensar a fragilidade e liquidez do mundo com a solidez da sua formação.

Finalizo este estudo com a frase do filósofo Nietzsche, onde o amor representa o verdadeiro e autêntico sentido em tudo que experimentarmos:”Se houver amor em sua vida, isso pode compensar muitas coisas que lhe fazem falta. Caso contrário, não importa o quanto tiver, nunca será o suficiente.

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

 

BAUMAN, Z. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. ISBN 978-85-7110-993-3.

 

BOEHS, S. de T. M.; SILVA, N. (org.). Psicologia Positiva nas Organizações e no Trabalho: conceitos fundamentais e sentidos aplicados. 1ª.ed. São Paulo: Vetor,2017. ISBN 978-65-8616-309-4.

 

BURCHELL, M.; ROBIN, J. Great Place to work Institute. Porto Alegre: Bookman, 2012.

DOLAN, P. Felicidade Construída: como encontrar prazer e propósito no dia a dia. 1 ª.ed. Rio de Janeiro: Objetiva,2015.

 

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FARSEN, T. C. et al. Qualidade de Vida, Bem-estar e Felicidade no Trabalho: sinônimos ou conceitos que se diferenciam ? Revista Interação em Psicologia, UFPR,Paraná, vol.22, nº01, p.31-41, 2018.ISSN 1981-8076.

 

FERNANDES, M. Felicidade dá lucro: Lições de um dos líderes empresariais mais admirados do Brasil. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2015.

 

LEITE, A. P. T. T.; GONÇALVES, S. M. M. O Trabalho Poder ser Prazeroso: Contribuições da Psicologia Positiva. Disponível em http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/images/Anais_XVENABRAPSO/320.%20o%20trabalho%20pode%20ser%20prazeroso.pdf. Acesso em 10 de agosto de 2020.

 

MACHADO, W. de L.; BANDEIRA, D. R. Bem-estar psicológico:definição, avaliação e principais correlatos. Jornal Scielo ( on line). Estudos de Psicologia, Campinas, v.29, n.4, p.587-595, outubro-dezembro 2012. ISSN 0103-166X.Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/estpsi/v29n4/v29n4a13.pdf.

 

MEIRELES, C.A. M.; LOBO,F. A Psicologia Positiva e as Organizações, Universidade Católica Portuguesa-Centro Regional de Braga-Faculdade de Filosofia, Braga, p.139-162,2012. Disponível em: http://hdl.handle.net/10400.14/17031. Acesso em: 11 de agosto de 2020.

 

REUSE, J. A.;MENEZES,R. R. de; SIQUEIRA, T. D. A. A Visão da Psicologia Positiva sobre o Bem estar Subjetivo no Desempenho de Atividades Físicas no Esporte Competitivo. Boletim Informativo Unimotrisaúde em Sociogerontologia,v.8,n.03,p.48-58, 2018.Disponível em: https://www.periodicos.ufam.edu.br/index.php/BIUS/article/view/4190. Acesso em :10 de agosto de 2020.

 

RIBEIRO, M. A. Aula ministrada pelo Doutor no curso de Pós-Graduação Psicologia Positiva, Ciência do Bem-estar e Autorrealização- PUC/ RS, disciplina Life Design :projeto de vida e carreira.2019-2020.

 

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SELIGMAN, M.E.P. Felicidade autêntica:usando a nova psicologia positiva para a realização permanente. Tradução  Neuza Capelo.Rio de Janeiro:Objetiva,2009.

 

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SIQUEIRA, M.M.M.; PADOVAM, V.A.R. Bases Teóricas de Bem –Estar Subjetivo, Bem-Estar Psicológico e Bem-Estar no Trabalho. Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa, Universidade Metodista de São Paulo, São Paulo, v.24, n.2,p. 201-209,2008.

 

VAZQUEZ, A. C. Engajamento no Trabalho.In:DIGITAL,2020, Livro digital-PUCRS on line.[S.I.],2020.

 

VÁZQUEZ, S. La felicidad en el trabajo y en la vida.Espanha:Actualia Editorial, 2012, ISBN:978-84-94633-6-7.

 

 

 

[1]Aula ministrada pelo professor da USP, Dr.Marcelo Afonso Ribeiro, no curso de Pós-Graduação Psicologia Positiva, Ciência do Bem-estar e Autorrealização- PUC/ RS, disciplina Life Design :projeto de vida e carreira.2019-2020 .

[2] Para Manoela Ziebell de Oliveira o mundo atual é o mundo VUCA, sigla utilizada pelo exército dos EUA para descrição do Mundo, traduzindo-se em volátil- os acontecimentos ocorrem em alta velocidade, incerto- dificuldade para enxergarmos para onde vamos. Fazer previsões. Complexo- tudo está interconectado e ambíguo-inúmeras interpretações para a mesma coisa. No mundo corporativo, isso torna as decisões mais arriscadas.” (Como transformar seu Trabalho?, 2020, p.32).

[3] Para Farsen et al.( 2018, p.35) no artigo científico Qualidade de vida, Bem-estar e Felicidade no Trabalho:sinônimos ou conceitos que se diferenciam ?:”Com vistas ao esclarecimento e estabelecimento de fronteiras entre os constructos, salienta-se que os estudos sobre a felicidade têm sido em geral orientados por duas perspectivas tradicionais: a hedônica e a eudaimônica. A primeira carrega consigo os significados conferidos ao conceito de bem –estar subjetivo, e na segunda a orientação constitutiva se dá por meio do conceito de bem-estar psicológico. Nessa ótica, hedônica, o bem-estar subjetivo resulta do conjunto preponderante de sentimentos positivos e revestidos de gratificação imediata ( Freire, Zenhas, Tavares & Iglésias, 2013). Em, outra direção, porém, complementar, ancorada no eudaimonismo, no conceito de bem-estar psicológico a ênfase reside nas experiências de realização pessoal e de expressão do potencial dos seres humanos, o que também pode ser denominado de funcionamento psicológico positivo ou ótimo ( Machado, 2010). Tal concepção a respeito do significado de felicidade, tem origem em Aristóteles, em especial no livro denominado de “Ética a Nicômaco” ( Aristóteles, 1991). Na vertente construída pelo filósofo grego, felicidade significa viver uma vida orientada por propósitos significativos. Apoiados nessa premissa, estudiosos e pesquisadores que se orientam pelos pressupostos epistemológicos da Psicologia Positiva, caracterizam a felicidade como um processo contínuo e perene, revestido de sentido, o que tem como suposto básico o desenvolvimento das virtudes humanas ( Freire et al.,2013).”

 

 

 

[4] BOEHS, Samantha de Toledo Martins; Silva, Narbal (Org-s.). Psicologia Positiva nas Organizações e no Trabalho: conceitos fundamentais e sentidos aplicados.1ª.ed.- São Paulo: Vetor,2017 (edição Kindle), primeiro capítulo Psicologia Positiva: Historicidade, Episteme, Ontologia, Natureza Humana e Método, Narbal Silva e Samantha de Toledo Martins Boehs-28-41.

 

[5] No flow há um equilíbrio entre desafios do trabalho com as habilidades técnicas, quando as habilidades são bem inferiores aos desafios isto leva a ansiedade e doenças do trabalho. Já quando o indivíduo não é desafiado, ou seja, as habilidades são bem superiores aos desafios das tarefas o trabalhador sofre de tédio, o que pode levar ao burnout, a perda de sentido e desistência pelo trabalho pela ausência de desafios. Para Taveira e Gonçalves: “O Conceito de flow, experiência máxima, fluir, experiência do fluxo ou negaentropia psíquica foi proposto por Csikszentmihalyi (1999) para designar uma motivação intrínseca que acontece quando alguém se propõe a enfrentar desafios. Suas principais características são : as metas são claras e o feedback é imediato, a concentração é intensa e focada no momento, ocorre fusão entre ação e consciência, sensação de perda da consciência reflexiva e de controle de suas próprias ações, a noção de tempo é alterada, e a atividade é intrinsecamente recompensadora por si mesma.”

[6] Márcio Fernandes. Felicidade dá lucro: Lições de um dos líderes empresariais mais admirados do Brasil. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2015. “ O senso comum costuma repetir- e nos fazer acreditar- que o lucro é aquilo que nos fará mais felizes. Para muitos, mais dinheiro é igual a mais felicidade. Só que eu aprendi, na prática, que essa relação, além de não ser diretamente proporcional, está equivocada. Em primeiro lugar, é a felicidade que faz você lucrar mais, e não o contrário. A felicidade é a causa, e o lucro, o efeito. Uma pessoa feliz consegue explorar todo o potencial das situações e tirar o melhor proveito delas. Já o inverso não é sempre verdadeiro: a pessoa que mais lucra não é quem desfruta da maior felicidade. Resumindo: ter mais dinheiro nem sempre é igual a ser mais feliz “.( 2015, posição 87)

[7] Job Crafting def:”são mudanças no conteúdo do trabalho iniciadas pelos próprios empregados para tornar seus trabalhos mais gratificantes e satisfatórios. Nesse processo, o foco passa a ser o bem-estar do indivíduo e não mais a eficiência e a produtividade da organização.” ( Ferreira, 2020,p.22).

[8] Capítulo 14, Investigação Apreciativa e Psicologia Positiva, do livro Psicologia Positiva nas Organizações e no Trabalho: conceitos fundamentais e sentidos aplicados. (pp. 156-171) (1 ed.). 1ª.ed.- São Paulo: Vetor,2017.

 

[9] Capítulo 3 Organizaciones Saludables y Resilientes , por Susana Lloveus Gumbau, Isabel M. Martinez e Marisa Salanova Sorla-p.70-82, do livro Psicologia Positiva nas Organizações e no Trabalho: conceitos fundamentais e sentidos aplicados. (pp. 156-171) (1 ed.). 1ª.ed.- São Paulo: Vetor,2017 (edição Kindle).

 

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