ADRIANA PAULA DOMINGUES TEIXEIRA

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MP nº927, de 22/03/2020 Crise Covid-19

MP nº927, de 22/03/2020 Crise Covid-19

MEDIDA PROVISÓRIA  nº927/2020-CRISE COVID-19

 

No dia 22/03/2020 foi editada e publicada a Medida Provisória nº927 no DOU ,  já aguardada, que regulamenta as questões trabalhistas no meio da crise provocada pelo Covid-19. A MP surge em um cenário de incertezas, tanto para as pequenas e médias empresas quanto para os trabalhadores, afinal o que fazer e como fazer no meio de uma crise mundial de dimensões imprevisíveis.  Apesar de apresentar muitos pontos, que poderão ser questionados sob o ponto de vista da conformidade constitucional, é certo que a MP mostra-se adequada ao regime de urgência e relevância do ponto de vista formal, porém seu conteúdo deixou muito a desejar do ponto de vista da estabilidade e equilíbrio esperados.

O ponto focal da Medida Provisória pareceu proteger exclusivamente a empresa, permitindo uma flexibilização visivelmente in pejus para a grande massa de trabalhadores e por um meio até mesmo inovador no cenário do Direito, pela via da autonomia individual, ou seja, por meio de um acordo entre empregado e empregador de discutível validade em tempos de forte crise humanitária. Na contramão de outros países, o Brasil optou pela neutralidade, delegando aos contratantes a capacidade de negociação em tempos de comprometimento de qualquer autonomia individual. A Medida Provisória tem trinta e nove artigos, que abordam medidas ou alternativas para a crise, decorrente da paralisia da atividade econômica em meio a crise do Covid-19. Dentre elas estão as medidas do teletrabalho, banco de horas, antecipação de férias individuais e coletivas, adiamento do recolhimento do FGTS por três meses, suspensão de medidas de fiscalização e a mais radical de todas, a suspensão do contrato de trabalho sob o pseudo título de “aperfeiçoamento profissional”, com a possibilidade do empregado  ficar sem receber nada durante quatro meses. Vamos à análise dos principais pontos.

 O art.1º, parágrafo  único, equipara a calamidade gerada pelo Covid-19 ao motivo de força maior. Tal equiparação não é esvaziada de sentido, pois abre a possibilidade de aplicação de um instituto regulado pela CLT. A situação de força maior prevista no art.501, da CLT. O motivo de força maior é todo acontecimento externo, que torne impossível ou extremamente oneroso o cumprimento das obrigações, como a situação atual. O art.501, caput, da CLT o define como “acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a  realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente. Relevante é o preconizado no §2º,  do art.501, da  CLT, que enfatiza que apenas poderá se valer dos efeitos da força maior  quem for afetado financeiramente de forma substancial, afastando os oportunistas deste benefício. Este regime tem como efeitos a possibilidade, no caso de extinção da empresa ou estabelecimento, do pagamento da indenização pela metade (art.502, da CLT) e redução dos salários até 25% ( art.503, da CLT) pelo tempo da força maior.  Com isto , ao se aplicar o regime de força maior do art.501, da CLT, em tese, os empresários terão estes benefícios. Digo em tese, porque a redução salarial por esta via é , ainda, muito discutível por força de preceito constitucional , o princípio da irredutibilidade salarial ( art.7º, inciso VI) , que determina que o único meio seria a via da autonomia de vontade coletiva, ou seja, o caminho da negociação coletiva, onde  a igualdade de forças é mais próxima do ideário de Justiça. O entendimento majoritário, portanto, é no sentido de que o art.503 da CLT não teria sido recepcionado pelo texto constitucional, sendo que apenas a sua motivação poderia ser utilizada para legitimar uma redução salarial pela via da negociação coletiva no âmbito da categoria ou da empresa.  Concluo , portanto, que o judiciário não ficará insensível a esta realidade, mas não podemos deixar de ponderar que há incertezas do ponto de vista jurídico. O mesmo se diga com relação ao art.2º da MP, que em uma redação confusa disse menos do que deveria dizer ou nada disse. O preceito legal estabelece que as partes poderão celebrar um acordo individual escrito a fim de garantir a permanência do vínculo, que terá preponderância sobre as demais fontes de trabalho. Ora, se o objetivo foi estabelecer uma estabilidade de emprego, resta evidente que toda a mudança benéfica se sobrepõe a imperatividade mínima da lei, sendo despicienda essa proposição.

 O artigo terceiro fala dos meios e instrumentos que poderão ser lançados para o enfrentamento da crise, tais como  teletrabalho, férias, banco de horas, suspensão para qualificação profissional e ,de novidade ,temos suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde do trabalho e diferimento do recolhimento do FGTS. Da conjugação deste preceito com o art18º podemos concluir que o governo está dando uma carta branca para os empregadores estabelecerem a suspensão dos contratos para  “aperfeiçoamento” em tempo de crise , sem a necessidade da negociação coletiva   ( art.476-A, da CLT), e com a possibilidade de nenhuma pagamento, mas mera esmola  rotulada de “ajuda compensatória mensal”, o que vem na contramão da postura assumida por outros países do mundo. Tal opção mostra-se incompatível com um Estado social, pois impõe aos mais vulneráveis sacrifício desproporcional.  Lembrando-se que a mão-de-obra mais qualificada, com maior poder de negociação, certamente terá em seu benefício o teletrabalho, sendo que a mão-de-obra mais carente e desqualificada será premiada com a qualificação, sem qualquer patamar mínimo de retribuição, o que é inconstitucional à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana e da irredutibilidade salarial (art.7º, inciso VI, da CRFB/88). Receberá a grande massa dos trabalhadores do Estado a autorização para sobreviver à crise, sem os meios mínimos, ficando refém da boa-fé e consciência de cada empregador. A medida é inédita e representa um grave risco social, trazendo mais litigiosidade e incertezas do que a própria ausência da Medida Provisória.  Embora haja previsão de acordo, resta evidente que o trabalhador neste cenário não terá nenhuma possibilidade de diálogo social. A inconstitucionalidade é patente, porque impõe ao trabalhador um regime incompatível com o momento, permitindo a redução do salário a zero, sem qualquer negociação coletiva prévia, gozo de férias em situação de isolamento social e sem incremento salarial ( adicional de um terço e pagamento do salário ao final do gozo). Ora, se a questão é  de  saúde pública caberia ao Estado a complementação ou assegurar um rendimento mínimo. O papel do Estado é regulamentar e não desregulamentar em tempos em que não há igualdade mínima. A Medida Provisória certamente acirrará ainda mais a crise e levará a uma corrida ao Judiciário, quando o momento seria de solidariedade e da busca do diálogo social.

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