A PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO
A PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO, A RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO PROTETOR E A CRISE DE IDENTIDADE DO DIREITO DO TRABALHO À LUZ DO DIREITO LUSO-BRASILEIRO
Adriana Paula D. Teixeira
RESUMO: O presente estudo analisará a evolução do direito do trabalho, do clássico ao contemporâneo, a influência da globalização e dos ideais neoliberais na reformulação do princípio protetor ante a necessidade de flexibilização dos direitos trabalhistas para assegurar a existência da empresa e do direito ao trabalho. O papel fundamental da negociação coletiva neste processo, com a abordagem da hierarquia das fontes do direito do trabalho, especialmente os conflitos entre a lei e a convenção coletiva. Será examinada a importância do diálogo social para que os parceiros sociais possam estabelecer direitos mais adequados e flexíveis à realidade econômica e social, sem que haja renúncia aos direitos fundamentais duramente conquistados pelos trabalhadores ao longo da sua trajetória. Por fim, serão examinadas as últimas alterações flexibilizadoras no âmbito da legislação portuguesa e brasileira, com a gradativa substituição do espaço destinado à atividade legiferante pela vontade coletiva dos parceiros sociais e os desafios atuais decorrentes do enfraquecimento das associações, como a baixa filiação, heterogeneidade dos trabalhadores, descentralização da forma de produção e internacionalização do trabalho, como novos desafios da sociedade tecnológica.
Palavras-chave: Relativização do princípio protetor. Flexibilização e Globalização. Negociação Coletiva. Convenção Coletiva. Enfraquecimento dos Sindicatos e negociação in pejus.
Sumário: 1.Introdução- 2. Neoliberalismo, Globalização, Flexibilização -3. Relativização do Princípio Protetor- 3.1 Conceito e seus subprincípios na base da construção do Direito do Trabalho- in dubio pro operário, da norma mais favorável e da condição mais benéfica-3.2 Relativização deste Princípio, defensores e opositores 4. Mitigação do Princípio Protetor, prevalência do Negociado sobre o Legislado ainda que in pejus 5. Considerações finais.
1 INTRODUÇÃO
Diante da atualidade não existem mais certezas. O mundo está mais incerto, líquido, imprevisível e complexo. Nossa capacidade de aprendizado não tem o mesmo ritmo do desenvolvimento tecnológico. Há um descompasso, que gera uma instabilidade. O mundo do trabalho modificou-se, mas não no mesmo ritmo das exigências de um mercado volátil, cujo capital continua sendo o protagonista. A carreira tradicional, em que um trabalhador tinha um único emprego, normalmente na sua área de formação, não faz parte da perspectiva atual e futura do novo mundo do trabalho. Nem mesmo a vida é mais a padrão, monótona, previsível e estável.
Abandonam-se pouco a pouco institutos típicos do Direito do Trabalho, como a estabilidade no emprego e os contratos típicos, os quais vão sendo substituídos pelos precários e atípicos. A própria igualdade vem sendo enfraquecida em prol da liberdade de contratar e do distrato. Do modelo clássico de trabalho, com a categoria dos trabalhadores estáveis, homogêneos, identificáveis e com contratos por tempo indeterminado, surgem diversos outros tipos de trabalhadores com contratos instáveis e precários, trabalhadores intermitentes, terceirizados, temporários, a termo, a tempo parcial, pulverizados em espaços não delimitados e onde nem sequer se tem com clareza a figura e o rosto do empregador e a visibilidade destes trabalhadores. Há a perda da integração, do sentimento de pertencimento e da identidade de classe, com consequências diretas no enfraquecimento das estruturas de representação sindical, com a pulverização dos trabalhadores pelo globo. O Estado, assim como as empresas, perde o seu gigantismo social, a sua soberania, a sua identidade, a nacionalidade, descentralizando-se, internacionalizando-se com o mundo do trabalho. Gradativamente surgem cada vez mais blocos de integração, de livre comércio, livre circulação de pessoas e trabalhadores, com o aumento da competitividade das empresas, do desemprego estrutural e rebaixamento das condições sociais e fiscais dos Estados. Em síntese, a força de trabalho vai se coisificando como quase tudo no mundo em transição, entre o velho e o novo, não há mais o pertencimento ao antes e nem ao depois. Como bem asseverado pelo sociólogo Zygmunt Bauman “ A mudança é a única coisa permanente e a incerteza é a única certeza.”
A sociedade contemporânea não é mais a mesma das décadas de 70 e 80 pelos fatores expostos. O trabalhador tem que ter a capacidade de adaptar seus conhecimentos, habilidades e competências a novos contextos de trabalho, buscando uma nova oportunidade.
Neste cenário, de forte mudança social, econômica e ideológica, advinda do processo de globalização, e de um mercado único, sem fronteiras, a competitividade entre as empresas e trabalhadores tem impacto direto no mundo do trabalho. O direito do trabalho, como regulador desta realidade, não poderia passar a margem destas mudanças, de certo. Entretanto, o questionamento atual é: será que para mudar é preciso a renúncia da sua identidade intervencionista e compensadora? Estamos preparados para esta renúncia ou, em outros termos, os fatores que motivaram no passado a proteção deixaram de existir? As expectativas de melhoria da condição social dos trabalhadores vinculadas às alterações flexibilizadoras das últimas décadas, com a criação de novos postos de trabalho e aumento da produtividade, foram confirmadas ou, ao contrário, traduziram tão somente a precarização dos postos existentes e a maior margem de lucro, com o nivelamento a um patamar mínimo?
Retratando este cenário de incertezas Márcio Túlio Viana (Viana, 2014), preconiza:
“O mundo é sempre mais fragmentado, contraditório, desigual. O Estado perde força. O capital derruba fronteiras. Aumenta o desemprego, renasce o subemprego e o sindicato se enfraquece. As leis que protegem o trabalhador já parecem um campo minado: a cada passo podem explodir a seus pés. O que esperar desse caos? Que vida terão nossos filhos? Para onde vai a economia? O que a ideologia esconde? Qual o futuro do direito? Haverá, de fato, um futuro? Diria Brecht: “tantas perguntas, poucas respostas...” Nossa proposta é mostrar que há uma ordem no caos e que não há esperança sem luta.”
Este artigo pretende analisar a flexibilização das normas trabalhistas por meio da autonomia coletiva e a reflexão se esta mudança do modelo de proteção do direito do trabalho clássico (preponderância do modelo legislado) para o contemporâneo (modelo misto) implicaria no fim do princípio basilar do direito do trabalho, o princípio de proteção ou, como conhecido em Portugal, do tratamento mais favorável ou a sua ressignificação. Vamos analisar as mudanças legislativas direcionadas à prevalência do negociado sobre o legislado, ocorridas no direito do trabalho nas últimas décadas do século XX e do início do século XXI em Portugal e no Brasil e a mudança de paradigmas a partir da globalização, da internacionalização do Estado, das empresas e do trabalho. A partir desta análise vamos concluir se ainda se justifica a permanência do princípio protetor, tal como até então é conhecido e concebido, ou se este, assim como a essência do Direito do Trabalho, será modificado, com a alteração do foco do sujeito-trabalhador para o empregador.
O artigo jurídico foi dividido em seis itens. Iniciaremos com uma breve contextualização das causas motivadoras da flexibilização das normas trabalhistas, diretamente relacionadas com a globalização, internacionalização das empresas, do trabalho e com os ideais do neoliberalismo de desregulamentação do trabalho, redução dos custos de produção, do tamanho das empresas, concentração horizontal e do próprio Estado, do Estado providência ao mínimo. Pouco a pouco o conceito de Direito do Trabalho está sendo substituído pelo Direito ao Trabalho. Posteriormente, na terceira parte, ingressaremos na temática do princípio do tratamento mais favorável ou favor laboratoris, com sua evolução e a análise dos argumentos favoráveis e desfavoráveis a sua permanência ou modificação, do ideal de tutela do trabalhador para a transição do foco de proteção para o empregador. No item quarto será abordado o principal instrumento da negociação coletiva, a convenção coletiva, com sua conceituação, modalidades e conteúdo. Na sequência será examinada a matéria fulcral deste artigo a temática da prevalência do negociado sobre o legislado, com uma análise de direito comparado, onde as convenções coletivas deixam de serem instrumentos de complementação benéfica ao conteúdo da lei trabalhista para as substituírem, ainda quando de forma mais prejudicial ao trabalhador. Finalizamos, no último tópico, com algumas conclusões sobre as razões que justificam a permanência do princípio protetor em um mundo do trabalho em transição.
O estudo baseou-se na análise bibliográfica, artigos científicos e manuais de direito do trabalho, nacionais e estrangeiros, além da jurisprudência correlacionada ao estudo.
- Neoliberalismo, Globalização, Flexibilização e Revolução 4.0
Estamos vivendo a 4ª Revolução Industrial, que se traduz na tecnologia digital, física e biológica, baseada na disseminação da informação e conhecimento pela evolução da informática e telecomunicações. A evolução tecnológica trouxe mais conhecimento e informação nas últimas décadas do que nos últimos séculos. Natural, portanto, que tais descobertas impactem na sociedade, na economia e no mundo do trabalho. Como afirmado pelo jurista Arion Sayão Romita, em seu artigo O Impacto da Globalização no Contrato de Trabalho (Romita, 2000), “o Direito do Trabalho não pode subtrair-se à realidade econômica, política e social.” Conclui, nesta linha de pensamento, que não podemos pretender fazer a leitura do mundo atual com os mesmos instrumentos do início do século XX.
Desta forma, para a compreensão dos novos mundos do trabalho associados ao desenvolvimento tecnológico é preciso uma breve viagem ao tempo, com a abordagem de fatores históricos relevantes. Começaremos pelo ponto de partida para o Direito do Trabalho, que foi a primeira Revolução Industrial. Surgida a partir da descoberta da máquina a vapor na segunda metade do século XVIII, na Inglaterra, no século XIX para Portugal e no Brasil no século XX, foi responsável pelo aumento da produção em massa e consequente redução dos custos da produção, inclusive dos salários, porquanto para a operação das máquinas não era mais exigível habilidades manuais. Da exploração sem limites, optava-se pela mão-de-obra de mulheres e menores, que tinham um custo ainda mais reduzido e eram trabalhadores mais passivos.
Ante a transferência da população do meio rural para o urbano propiciada pela industrialização, surge a consciência de classe.
Assim, a partir dos abusos praticados pelo processo de industrialização, com jornadas excessivas e péssimas condições de trabalho, surgem os primeiros movimentos de associação para a reivindicação de melhores condições de trabalho, nascendo terreno fértil para o Direito do Trabalho, como uma reação humanista à preservação da dignidade do ser humano. Esta fase do direito do trabalho é citada por Mauricio Godinho Delgado, em sua obra Curso de Direito do Trabalho (2014, p.95), como uma fase inicial do Direito do Trabalho denominada de manifestações incipientes ou esparsas, período compreendido do Peel`s Act de 1802, atos do Parlamento do Reino Unido, que estabeleceram restrições ao trabalho de menores, até 1848, tendo como marco o Manifesto Comunista de Marx e Engels. A segunda fase conhecida como de sistematização e consolidação vai de 1848 até 1919, logo após o final da Primeira Guerra Mundial, com destaque para o surgimento da Organização Internacional do Trabalho, importante caminho para uniformização internacional do trabalho. Nesta fase, surge a segunda Revolução Industrial vinculada, como as demais, à descoberta de novas fontes energéticas e, por conseguinte, mudanças no processo produtivo. O surgimento do motor elétrico no final do século XIX, impulsiona ainda mais a produtividade em massa, com os processos fordistas e tayloristas de simplificação das tarefas e concentração vertical. Também se destacam o início do processo de constitucionalização do direito do trabalho, com as Constituições Alemã de Weimar e Mexicana, esta última de 1917.
A terceira fase de institucionalização do Direito do Trabalho compreende o período de 1919 até a década de 1970. No início deste período prevalecia à concepção do Estado Liberal, com um menor intervencionismo estatal, situação que apenas se modificou com a primeira crise do capitalismo, a Crise de 1929, com início nos EUA, propagando-se para o mundo. Excesso de produção, redução na capacidade de absorção do mercado, aumento do desemprego e falências das empresas são os fatores atribuídos a esta crise. A Crise de 1929 expôs a debilidade do capitalismo e a necessidade de um controlo Estatal sobre o mercado e produção, que foi a base da economia Keynesiana[1], responsável pela Era de Ouro do Capitalismo. Há uma maior intervenção do Estado não apenas na economia, mas, sobretudo, nas relações sociais, com a criação de leis e intensa atividade legislativa. Surge o período do Estado do Bem-Estar Social, onde o Estado passa de agente passivo para ativo, não apenas garantindo os direitos individuais, pela não intervenção, mas criando direitos sociais pela prestação positiva. Asseguram-se os direitos sociais, dentre eles os trabalhistas, constitucionalizando-os. Contudo, nova crise econômica na década de 70 faz ressurgir a hegemonia do pensamento neoliberal. A crise energética provocada pelo petróleo reacende os ideais liberais, surgindo o neoliberalismo adotado no Reino Unido por Margaret Thatcher e nos EUA por Ronald Reagan. Nas décadas posteriores, de 80 e 90, com as novas descobertas tecnológicas (Revolução 4.0), há o aperfeiçoamento dos meios de transporte e comunicação, permitindo uma integração ampla, sem limitações territoriais e a um custo cada vez mais reduzido. Com a liberdade de circulação de mercadorias, serviços, capitais e trabalhadores a partir das décadas de 80 e 90 do século XX, surge o conceito moderno de globalização, com mudanças nos hábitos sociais, econômicos, culturais e políticos. A facilidade de circulação das informações e conhecimento favoreceu o desenvolvimento dos regimes democráticos e liberdades, com redução da soberania dos Estados em prol de uma maior integração, o que caracteriza a globalização.
Paralelamente a estes aspectos positivos, surgem novos problemas. A competitividade ampla, com a abertura de novos mercados de consumo e trabalho em todo o mundo, levam a uma corrida pela redução dos custos de produção e pela necessidade de repensar a rigidez e o garantismo das regras laborais de um direito protencionista, com a flexibilização dos direitos, modos de produção e organização do trabalho mais maleáveis a fluidez do mercado de capitais. Empresas multinacionais passam a negociar com Estados de maior liberalização a concessão de benefícios fiscais e trabalhistas, ampliando a competitividade entre os próprios Estados e favorecendo o surgimento de blocos de integração.
A sociedade, por outro lado, já não é mais a mesma. Os riscos previsíveis são substituídos pelas incertezas, o mundo estático pelo interativo e as adversidades pelas oportunidades. As doenças modernas não são mais físicas, mas psicológicas motivadas em grande parte pela ansiedade e medo. A perspectiva de um único emprego e empregador não é mais compatível com o dinamismo da evolução tecnológica, onde a incerteza do amanhã passa a ser a única certeza, pois a empresa de hoje provavelmente não existirá amanhã e muitos empregos e profissões como os conhecemos desaparecerão. Há mais incertezas no mundo contemporâneo do que garantias. O foco do Direito do Trabalho parece mesmo mudar por exigências do mercado. Como asseverado por José João Abrantes (Abrantes, 2014, p.1):
“Ao direito laboral, cuja preocupação maior deveria ser, já não a segurança do emprego, mas sim o próprio emprego, competiria, fundamentalmente, garantir a flexibilização e a diminuição dos custos laborais se necessário à custa da própria estabilidade da relação dos direitos dos trabalhadores.”
Assim, com a globalização surge a ideia da flexibilização de todos os meios de produção, inclusive do trabalho, abrindo caminho para uma fase de crise e transição do Direito do Trabalho, com a mercantilização e coisificação do trabalho. Como ponderado pelo jurista João Leal Amado, em sua obra Contrato de Trabalho (2019), a polêmica do termo flexibilização tem origem na amplitude de significados e nos aspectos positivos e negativos existentes a depender do contexto. Deverá, assim, o direito do trabalho ser adaptável e sensível aos momentos de crise econômica, mas não poderá perder a sua essência de compensação de situações desiguais, de maneira a proteger a dignidade do trabalhador, impondo limites ao equilíbrio do mercado. Nesse sentido, sintetiza João Leal Amado:
“ A chamada mão-de-obra será, decerto, um fator produtivo, a conjugar com os demais no todo que é a empresa. Mas, antes e acima disso, a mão-de-obra são pessoas-é que , como alguém certa vez observou, o trabalho não existe, o que existe são pessoas que trabalham. O trabalho não é uma mercadoria! Eis o princípio fundamental afirmado na célebre Declaração de Filadélfia, adotada pela 26ª Conferência da OIT em 10 de maio de 1944. Esta afirmação constitui, afinal, o fundamento normativo nuclear do Direito do Trabalho, significando o primado da dignidade do trabalho e de quem o presta sobre outras considerações, nomeadamente as que relevam da eficiência económica. E, como escreveu Kant, a dignidade não tem preço...” ( Amado, 2019,p.24)
A doutrina costuma diferenciar a flexibilização da desregulamentação. A flexibilização é género do qual é espécie a desregulamentação. Esta é um processo mais extremo de retirada de certas matérias do domínio do Estado, transferindo-as às partes da relação laboral, situação que não é aconselhável em razão da própria assimetria da relação de trabalho.
Assim, temos a diferenciação do professor chileno Francisco Walker Errázuriz (1997, p.602)[2] entre mudanças por adequação e por supressão:
"O termo flexibilidade ou flexibilização significa adaptar 'normas a circunstâncias distintas'; não é sinônimo, portanto, de 'derrogar ou suprimir'; em outras palavras, flexibilidade implica 'mudanças por adequação' e não mudanças por supressão. A nosso ver, o flexibilizar normas trabalhistas não significa destruir o Direito do Trabalho clássico, mas, pelo contrário, adequá-lo a certas e determinadas circunstâncias, mantendo integralmente seus princípios básicos". (apud Rodriguez, 2000, p.76).
Perante o quadro descrito, a forma mais agressiva da flexibilização seria a que desregulamenta, sem qualquer condicionamento, expondo os trabalhadores mais vulneráveis às oscilações nefastas de um mercado cada vez mais líquido e incerto. O modelo mais razoável é o da flexibilização intermediária realizada de forma autônoma, condicionando a redução de direitos a compensações, ainda que globais, e com duração provisória, temporária, assegurado um núcleo mínimo de direitos , referente aos direitos fundamentais diretamente relacionados à dignidade da pessoa humana. Não se trata, portanto, de um regresso à autonomia privada, sem limites, e nem um retorno ao dirigismo estatal. É um meio do caminho com a efetiva participação dos parceiros sociais na construção do consenso, na busca de meios alternativos para o novo mundo do trabalho, de adaptabilidade às novas formas de organização e produção, mas com uma proteção mínima da instabilidade advinda das oscilações do mercado, o que implicaria na própria desregulamentação.
Esta posição vem sendo defendida por juristas brasileiros, em que pese os termos da última Reforma Trabalhista , que , de forma um tanto contraditória, não condicionou as mudanças in pejus a qualquer compensação (contrapartida), nas matérias estabelecidas no art.611-A, da CLT ( Decreto-lei nº5.452, de 01 de maio de 1943). Inobstante, condicionou a eventual declaração judicial de anulabilidade de cláusula convencional a anulação automática da cláusula compensatória (art.611-A,&4º, da CLT). Na defesa desta linha de pensamento , temos a produção do Enunciado nº31 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho de 2017, que fixou o seguinte entendimento:
“31. INSTRUMENTO COLETIVO E ANULAÇÃO DE CLÁUSULA COMPENSATÓRIA I. Contrapartidas em sede de negociação coletiva. Exigência inerente à boa-fé objetiva. Impossibilidade de supressão por Lei. Inconstitucionalidade. disposição constante do artigo 611-A, § 2º, da CLT, não é compatível com os artigos 7º, XXVI e 8º, VI, da Constituição Federal, e tampouco com o artigo 5º da Convenção 154 da OIT. II. Negociação coletiva. Convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho. Anulação de cláusula compensatória. Art. 611-A, § 4º da CLT. Havendo dúvida acerca da existência de cláusula compensatória em benefício de outra cláusula principal, aquela deverá permanecer no instrumento coletivo, mesmo na hipótese do art. 611-A, § 4º (1ª parte), em observância ao princípio da proteção ao trabalhador (in dubio pro operario).[3]”
A flexibilidade do Direito do Trabalho ampla é uma realidade atual, atingindo não apenas as formas de contratação, com a ampliação das possibilidades e do tempo de contratação a termo, como a duração do trabalho, a estipulação dos salários, a negociação coletiva, o regime de dispensa até as novas modalidades de organização do trabalho, trabalho a tempo parcial, trabalho intermitente e o teletrabalho.
Os motivos subjacentes para a flexibilização são explicitados pelo jurista João Carlos Simões Reis em seu artigo O Direito Laboral Português na Crise Atual:
“E o específico sentido que se procura insuflar no direito do trabalho corrente, em última instância, traduz-se, segundo o figurino único neoliberal, na promoção do enfraquecimento das estruturas representativas dos trabalhadores e, em geral, da dimensão coletiva associada ao trabalho, principalmente dos sindicatos e, por via da progressiva descrença “nos amanhãs que cantam”, criar a convicção social de que não há espaço para um direito do trabalho diferente deste. Só haveria lugar, segundo esta crença, para um “direito de trabalho de exceção”. Esta orientação integra-se na ofensiva ideológica para aumentar o poder patronal na relação de trabalho e na distribuição de rendimento. Não devemos, portanto, procurar explicar as alterações do direito do trabalho unicamente em imperiosas e inelutáveis exigências de ordem económica, mas também (ou sobretudo) em causas de ordem social, política e ideológica.” (Reis, 2016)
Inobstante a estas mudanças impostas, além de uma mera adaptabilidade às novas formas de organização do trabalho, com foco principal voltado na redução de custos para se garantir uma maior concorrência, os efeitos destas vêm demonstrando que não houve a redução preconizada das taxas de desemprego, sendo questionável a maior competitividade das empresas. Isto porque as condições de trabalho são também relevantes no processo de engajamento e produção dos trabalhadores, de maneira que trabalhadores desmotivados e mal remunerados tendem a produzir menos, o que acaba por gerar resultados negativos.
Nesse sentido, o autor peruano Jorge Rendón Vasquez ( apud Rodriguez,2000,p.77) conclui: "Mais de dez anos depois de haver sido difundida como ideologia e como uma práxis concreta na legislação e nas relações de trabalho, não trouxe crescimento nem mesmo mínimo do ansiado emprego".
Em suma, não há correlação sensível a justificar os ataques desferidos ao Direito laboral, acusando-o como o único responsável pelas altas taxas de desemprego, representando um empecilho à competitividade das empresas pela rigidez das suas normas. A flexibilidade só levou a maior precarização do trabalho, empurrando uma parcela considerável da força de trabalho ativa para fora do modelo clássico do contrato de trabalho, criando uma maior heterogeneidade entre os trabalhadores, dificultando a solidariedade social e o reequilíbrio da relação de trabalho.
E é, sob este aspecto, que podemos considerar que o Direito do trabalho sofre uma das maiores crises desde sua concepção, seja porque o excesso de flexibilização em um contexto neoliberal poderá condená-lo à extinção, no sentido de não se justificar mais um direito diferente do civilista, ou ao seu total esvaziamento, enquanto direito regulador e protetor do trabalho assalariado. É certo que não se trata de uma crise recente, mas, conforme destacado pela jurista Maria do Rosário Palma Ramalho, em sua obra Estudos de Direito do Trabalho, Volume I, (Ramalho, 2003, p.107), a crise do direito laboral é , ainda, relevante, porquanto além de não ultrapassada atinge de forma global esta área, na tendência da desregulamentação da matéria laboral, com a transferência da regulamentação pela lei para o universo da negociação coletiva, no enfraquecimento do associativismo sindical e na própria alteração da relação de trabalho individual típica.
É tempo, então, de ressignificar o Direito do Trabalho do amanhã, com o fortalecimento das estruturas de representação coletiva e um diálogo amplo, envolvendo todos os atores sociais, inclusive o Estado, em uma autêntica concertação social. Assim, em um sistema que se retroalimenta constantemente é certo que não existe trabalho sem empresa e empresa sem trabalhadores (ao menos por hora), mas é também correto afirmar que não existe produção sem consumidor e nesta cadeia causal não há consumo sem trabalho e nem Estado sem contribuintes. Lembrando que o direito do trabalho nasceu a partir do capitalismo e da necessidade de um mercado livre de consumidores. Então, não é possível no mundo atual dissociar um elemento do outro, ou valorizar um em detrimento do outro, pois a interconexão é ampla e irrestrita, o que justifica a sua força e fraqueza e a ambiguidade vivenciada pelo trabalho na pós -modernidade .
3 RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DO TRATAMENTO MAIS FAVORÁVEL( PRINCÍPIO PROTETOR)
Conforme exposto no tópico anterior, a evolução do Direito do Trabalho demonstra que o momento atual é de uma crise não apenas econômica, com reflexos no mundo do trabalho, mas uma crise de identidade, com causas mais ideológicas do que propriamente econômicas. Não há como se questionar a subsistência do princípio do tratamento mais favorável sem que se correlacione esta discussão com a própria razão da existência do direito do Trabalho. Isto porque o princípio de proteção, também conhecido como princípio do tratamento mais favorável, princípio do favor laboratoris, é um princípio basilar do Direito do Trabalho, acompanhando-o ao longo da sua evolução.
As normas juslaborais são, portanto, inspiradas neste princípio, orientador da atividade do legislador e do aplicador do direito, esta última função defendida por Américo Plá Rodriguez, em sua célebre obra Princípios de Direito do Trabalho (Rodriguez, 2000), através do princípio in dubio pro operario.
É da essência do Direito do Trabalho a missão de correção, compensação, de uma desigualdade real, oriunda dos mais diversos fatores, econômico, social e até estrutural entre as partes da relação de trabalho. Há um desequilíbrio natural de forças entre um ser coletivo e um individual, sendo o Direito do Trabalho sensível a esta realidade, que não pode ser negada ao menos no âmbito do Direito Individual do Trabalho. Como solução para esta problemática criou-se um desequilíbrio normativo. Através de normas tuitivas há a compensação da assimetria social e econômica. Surgia desta realidade inegável o caráter imperativo das normas laborais.
O jurista Maurício Godinho Delgado, em sua obra Curso de Direito do Trabalho, sintetiza o objeto e missão do Direito do Trabalho:
“Essa disparidade de posições na realidade concreta fez emergir um Direito Individual do Trabalho largamente protetivo, caracterizado por métodos, princípios e regras que buscam reequilibrar, juridicamente, a relação desigual vivenciada na prática cotidiana da relação de emprego.” ( Delgado, 2014, p.194)
Na fase embrionária as leis trabalhistas visavam à restrição da autonomia individual, protegendo os trabalhadores mais vulneráveis do abuso da exploração, sem limites, decorrente da primeira Revolução Industrial e dos ideais liberais fortemente presentes na autonomia privada. Posteriormente, na fase de consolidação, os direitos sociais fundamentais foram inseridos nos textos constitucionais com o intuito de blindá-los ou ao menos tornar o processo de mudança mais seletivo, resguardando-se um núcleo mínimo diretamente relacionado com a dignidade da pessoa humana e com o princípio do não retrocesso social.
Em referência a este processo evolutivo destaca-se a visão do jurista João Leal Amado da relevância deste direito na proteção dos que efetivamente não teriam condições de manifestar a vontade liberta da necessidade de satisfação do básico existencial ( 2019,p.16):
“De resto, no que tange à liberdade de modelação do conteúdo contratual, a verdadeira alteração traduziu-se, no fundo, em substituir a vontade unilateral do empregador “todo poderoso” pela vontade heterônoma do legislador ou pela real autonomia das partes na contratação coletiva. Ou seja, as atuais limitações de natureza jurídica à liberdade contratual têm vindo a substituir-se às anteriores limitações de ordem prática, transformando em norma estadual ou convencional aquilo que era,tão-só, a lei do mais forte.”
Desta forma, é da genética, do DNA do direito laboral, o caráter de proteção da parte mais débil da relação de trabalho, que no cenário histórico sempre foram os trabalhadores, do ponto de vista econômico e social. Em razão desta origem é que as normas laborais até as recentes reformas eram essencialmente imperativas: absolutas ( inderrogabilidade total) ou relativas ( semi-imperativas ou imperativas mínimas), a ponto de se questionar a própria classificação ou natureza jurídica do Direito do Trabalho, como um Direito público ou privado.
Logo, o problema de se saber se o princípio de proteção ou do tratamento mais favorável perdeu a sua razão de ser está umbilicalmente relacionado ao questionamento se o Direito do Trabalho perdeu a sua identidade como direito especial e as razões ou motivos, que se faça concluir nesse sentido.
Parece-nos que o desaparecimento ou substituição deste princípio pelo direito ao trabalho, como elemento integrante e indissociável de um mercado, resultará no caminho inverso, que nos primórdios levou o Direito do Trabalho ao distanciamento do Direito Civil.
Nesse sentido, é oportuna a lição do jurista Jorge Leite no artigo A Reforma Laboral em Portugal, onde expõe a problemática da flexibilização e o risco da perda da identidade do direito laboral:
“A prática legislativa que fixa determinadas condições de trabalho para, logo depois, permitir o seu afastamento ou a sua substituição por piores condições desde que nisso acorde o trabalhador ou desde que às correspondentes propostas do empregador se não oponha expressamente (e, em alguns casos, por escrito) é, no mínimo, uma prática não neutra, uma prática colorida de hipocrisia, já que o legislador sabe, ou não deve desconhecer, que a margem de liberdade ou, para usar uma expressão de que tanto gostam os neoliberais, a liberdade de escolha, é excessivamente estreita para esperar, na esmagadora maioria dos casos, uma resposta de oposição à proposta do empregador. Estas cedências da lei laboral ao dogma da soberania da vontade, de que o direito do trabalho havia sido, aliás, uma das primeiras manifestações de ruptura, com o sacrifício da liberdade real, fazem recordar as críticas que muitos autores fizeram aos códigos oitocentistas que, para citar F. Wieacker, renunciaram a uma ética material dos contratos (…) e não colocaram o problema da ameaça da liberdade social pela liberdade contratual, fazendo mesmo lembrar, em muitos casos, uma velha expressão popular, devidamente adaptada, em particular quando confrontado com o atual direito do consumo: “direito civil volta, estás perdoado!” (Leite,2013)
As perguntas que procuraremos responder são se os motivos que justificaram a criação de um Direito Especial, como do Trabalho, ainda perduram nos Tempos de pós-modernidade, da sociedade contemporânea e dos ideais do neoliberalismo. E se podemos prescindir dos seus mecanismos de proteção pela substituição da vontade da lei pela vontade coletiva, ou seja, se há a coerência neste discurso quando observamos um enfraquecimento da estrutura de representação sindical no atual modelo de trabalho e na própria legislação. Para a busca de respostas vamos estudar os desdobramos do princípio do tratamento mais favorável, os argumentos favoráveis à revisitação deste princípio e os contrários, a mitigação do princípio do tratamento mais favorável à luz do art.3º/1/3, do Código do Trabalho português, aprovado pela Lei nº07/2009, a constitucionalidade deste dispositivo pelo acórdão do Tribunal Constitucional nº338/2010, com a discussão se o princípio está consagrado no âmbito da Constituição Portuguesa de forma implícita.
3.1 Conceito e seus subprincípios na base da construção do Direito do Trabalho- in dubio pro operario, da norma mais favorável e da condição mais benéfica
O Direito do Trabalho, além das fontes comuns aos outros ramos jurídicos, possui a particularidade de ter outras fontes próprias decorrentes da produção autônoma, como as convenções coletivas, principal instrumento da negociação coletiva e espécie do gênero instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, previstos nos arts.1º e 2º/3, do Código do Trabalho Português vigente e no art.611, da CLT, no Brasil. Da multiplicidade destas fontes laborais decorre o pluralismo normativo constituído de fontes produzidas pelo Estado (Constituição, leis e decretos-leis-medidas provisórias no Brasil, portarias), infraestaduais, que são as fontes autônomas, decorrentes da autonomia negocial dos parceiros sociais, das quais as convenções coletivas são os instrumentos de maior relevância, fontes internacionais, com destaque para os atos da Organização Internacional do Trabalho, e as fontes supranacionais, representadas pelo primado do direito comunitário para Portugal, subdivididas em fontes primárias da União Europeia (Tratados instituidores e Carta de Direitos Sociais) e derivadas, que são os atos emanados das suas instituições, tais como os Regulamentos, de caráter vinculativo quanto à forma e conteúdo, de efeito direto, sem necessidade de transposição, e as Diretivas, que são atos vinculantes quanto ao conteúdo, mas não no que tange à forma, havendo necessidade da transposição, admitindo-se o efeito direto vertical ( aplicabilidade nas relações entre o Estado e particulares).
Para os demais ramos jurídicos o conflito de fontes se resolve pelo critério clássico e rígido da hierarquia de diplomas normativos da pirâmide de Kelsen, decorrente do pensamento positivista ( Teoria Pura do Direito), com a compatibilização vertical, onde os diplomas jurídicas inferiores retiram seu fundamento de validade nos superiores, tendo a Constituição no vértice da pirâmide e onde todas as demais devem buscar o seu fundamento de validade. Em síntese, a norma é válida não pelo seu sentido de ser justa, mas por buscar a sua validade em outra norma superior. A teoria kelseniana retira qualquer juízo de valor da norma, o que será retomado quando do exame da teoria dos princípios do jurista Robert Alexy, que estabelece a distinção relevante entre regras e princípios.
Contudo, o Direito do Trabalho exatamente em face do princípio do tratamento mais favorável tem uma inversão desta pirâmide, de forma flexível e dinâmica, com a relativização da hierarquia das normas.
Desta forma, ainda que esteja em causa um conflito de um diploma superior, como a lei, e um inferior, como uma convenção coletiva, o inferior prevalecerá desde que mais benéfico e não houver proibição na lei (inderrogabilidade absoluta-limite). A concorrência entre as fontes se resolve de forma harmoniosa pela norma mais benéfica, sem que haja uma autêntica e formal derrogação, mas mera inoperância temporária, até porque a lei continua a produzir seus efeitos em relação a outros trabalhadores não filiados e sobre os quais a norma convencional não tem eficácia plena, pois, diferentemente do Brasil, em Portugal prevalece a eficácia limitada e a pluralidade sindical (no Brasil o quadro é diverso, temos a eficácia ampla decorrente da própria unicidade sindical). Não se nega a hierarquia das fontes, mas há uma harmonia e flexibilidade neste sistema, baseado no princípio, até então prevalente, da norma mais favorável. Abre-se este parêntese, pois na situação de Portugal prevalece a eficácia relativa das Convenções Coletivas, que são apenas aplicáveis aos filiados ou aos que optaram individualmente pela aplicação deste instrumento, na forma do art.497º/1, do Código do Trabalho português (lei nº07/2009, de 12 de fevereiro), diferentemente do Brasil , onde a eficácia é ampla pela categoria e o sistema da unicidade sindical.
Ressaltando esta particularidade do Direito do Trabalho Delgado assevera:
“O critério normativo hierárquico vigorante no Direito do Trabalho opera da seguinte maneira: a pirâmide normativa constrói-se de modo plástico e variável, elegendo para seu vértice dominante a norma que mais se aproxime do caráter teleológico do ramo justrabalhista. À medida que a matriz teleológica do Direito do Trabalho aponta na direção de conferir solução às relações empregatícias segundo um sentido social de restaurar, hipoteticamente, no plano jurídico, um equilíbrio não verificável no plano da relação econômico-social de emprego-, objetivando, assim, a melhoria das condições socioprofissionais do trabalhador-prevalecerá, tendencialmente, na pirâmide hierárquica, aquela norma que melhor expresse e responda a esse objetivo teleológico central justrabalhista. Em tal quadro, a hierarquia de normas jurídicas não será estática e imutável, mas dinâmica e variável, segundo o princípio orientador de sua configuração e ordenamento.” (op.cit., 2014, p.177-178)
No mesmo sentido ensina Jorge Leite :
“Assim enunciado, o princípio traduz-se numa técnica de resolução de conflitos, podendo, por isso, a regra correspondente ser designada como uma regra de competência, com implicações de modalização do critério da hierarquia. Na verdade, apesar da sua formulação, o que o citado art.13º da LCT dispõe é que o critério de aplicação não é o da norma superior mas o da norma mais favorável, critério que, no entanto, só prevalecerá sobre aquele se a tanto se não opuser a norma superior.” (2003,p.271)[4]
No cenário laboral esta forma de solução dos conflitos de fontes predominava até a influência dos movimentos de flexibilização, que passaram a preconizar a maior adaptabilidade do direito laboral às necessidades do empregador, especialmente em tempos de crises econômicas. Refletindo este anseio o princípio de proteção, alicerce da construção das normas juslaborais, passou a ser fortemente criticado pelos ideais neoliberais, com ênfase no reforço da autonomia e liberdade em detrimento da igualdade material. Os limites do princípio de proteção e até a sua sobrevivência foram postos em questionamento ou em xeque, como defendido pelo jurista Arion Sayão Romita, em sua clássica obra O Princípio da Proteção em Xeque: e outros ensaios (Romita,2003), a qual nos reportaremos mais adiante na análise dos argumentos favoráveis à substituição deste princípio por outros . Com isto, a própria finalidade e conteúdo do direito do trabalho sofrem grave abalo, afinal a proteção preconizada e reputada adequada é posta em causa. Há um distanciamento do conceito de proteção pela garantia de condições mínimas de trabalho ( princípio da norma ou da prescrição mínima) com a substituição desta por condições máximas, que podem ser flexibilizadas in pejus em prol da produtividade e da empregabilidade.
Para melhor compreensão da temática, iniciaremos pelo conceito de princípios advindo da teoria pós-positivista de Robert Alexy para que possamos compreender melhor o que está em causa e se como princípio há efetivo risco do seu perecimento.
Ao contrário da teoria kelseniana, a de Robert Alexy tem como relevante a relação do Direito com a Moral e a construção de uma racionalidade jurídica a partir de uma ponderação de valores. A base desta teoria está na distinção entre regras e princípios e na inserção destes no conceito de normas jurídicas, integrando as fontes do Direito. Os princípios para Alexy (apud Toledo, 2017) são “mandamentos de otimização de um dever ideal, ou seja, buscam a realização na maior medida possível, segundo as possibilidades jurídicas e fáticas”. As regras, ao contrário, são determinadas e a aplicação baseia-se na subsunção, com a exclusão de uma regra em detrimento da outra, na situação de conflito. Os princípios colidentes são analisados pela ponderação, considerando a dimensão do peso e não a da validade. Não há hierarquia entre os princípios, diferentemente das regras.
Américo Plá Rodriguez, em sua obra Princípios de Direito do Trabalho, em referência à diferenciação dos princípios com as regras jurídicas professa:
“Enquanto as normas se aplicam ou não se aplicam, os princípios dão razões para decidir num determinado sentido, mas à diferença das normas, seu enunciado não determina as condições de sua aplicação. O conteúdo material do princípio –seu peso específico- é que determina quando deve ser aplicado numa determinada situação.” (2000,p.39)
O mesmo jurista uruguaio (op.cit.,2000, p.44) faz referência a tríplice missão dos princípios, ressaltando a função informadora de inspiração do legislador, como fundamento para o ordenamento jurídico. A função normativa, atuando como fonte supletiva na lacuna de lei, como meio de integração, e a função interpretativa dirigida ao juiz ou interprete.
Logo, os princípios são diretrizes, nortes, mandamentos de otimização, que se diferenciam das regras pelo grau de abstração e por encerrarem um dever ideal. Já as regras são preceitos definidos, elaboradas para regularem situações determinadas, sendo aplicáveis ou não.
Dentre os princípios próprios, específicos do direito do trabalho, temos o princípio do tratamento mais favorável ou princípio protetor, como o mais relevante, sendo basilar deste Direito, conforme já referido.
A relevância deste princípio para o Direito laboral, especialmente o individual, é sintetizada pelo jurista Mauricio Godinho Delgado:
“Na verdade, pode-se afirmar que sem a ideia protetivo-retificadora, o Direito Individual do Trabalho não se justificaria histórica e cientificamente. Parte importante da doutrina aponta este princípio como o cardeal do Direito do Trabalho, por influir em toda a estrutura e características próprias desse ramo jurídico especializado. Esta, a propósito, a compreensão do grande jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez, que considera manifestar-se o princípio protetivo em três dimensões distintas: o princípio in dubio pro operário, o princípio da norma mais favorável e o princípio da condição mais benéfica.” (Ibidem, p.196-197)
O jurista Américo Plá Rodriguez (op.cit, 2000) destaca as variáveis de denominações utilizadas para o mesmo princípio, citando juristas de outros países.[5]
No Brasil a preferência é pelo termo princípio protetor, protetivo ou de proteção e em Portugal se usa a denominação de princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador ou princípio do favor laboratoris, ambos para o tratamento do mesmo princípio, embora a segunda denominação se relacione com uma das formas derivadas mencionadas por Rodriguez.
O conceito do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador ou protetor está intrinsecamente relacionado com o Direito do Trabalho. Enquanto não houver igualdade material não se poderá questionar a utilidade deste princípio, da mesma forma como não se poderá por em causa a utilidade do próprio direito do trabalho na sociedade contemporânea. É um princípio inspirador do legislador na elaboração da norma e do próprio judiciário na interpretação da norma trabalhista. A sua existência precede a própria norma e a impregna.
Por tal fundamento é tão difícil dissociar este princípio do direito do trabalho, permanecendo ainda atual a sua existência, consoante defendido por Rodriguez (2000, p.43).[6]
Antes de passarmos a controvérsia em torno da crise atual deste princípio e aos argumentos favoráveis e desfavoráveis à sua manutenção, não é possível falar do princípio da proteção ou do tratamento mais favorável sem que mencionemos a clássica divisão de Américo Plá Rodriguez, que desdobra o princípio protetor de acordo com as formas de aplicação em três subprincípios. De um mesmo princípio da proteção, temos, de acordo com o campo da sua aplicação, os princípios in dubio pro operario, o princípio da norma mais favorável e o princípio da condição mais benéfica, além de quase todos os princípios especiais do direito individual do trabalho.
O primeiro desdobramento, princípio in dubio pro operario, aplica-se quando há uma norma com vários sentidos e haja dúvida qual deverá prevalecer. A dúvida é de interpretação. Dirige-se ao aplicador do direito ou juiz. Uma das limitações a este princípio, reconhecida pela doutrina majoritária, e referida pelo próprio Rodriguez (op.cit., 2000), com a ressalva da sua divergência por entender também aplicável, é a sua exclusão em matéria probatória ( direito processual) . O ônus da prova incumbe, em princípio, a quem faz a afirmação. Esta regra só poderá ser excepcionada pelas presunções, que geram a inversão do ônus probatório. Ou seja, na dúvida quanto à prova, hipótese de prova dividida, não é possível a aplicação deste princípio para decidir em favor do trabalhador, devendo o intérprete socorrer-se das regras de distribuição do ônus probatório.
O segundo princípio é o da norma mais favorável, que, em alguns ordenamentos jurídicos, como no português, é utilizado como sinônimo do princípio protetor e onde há sua maior aplicação. Abrange a situação clássica do uso do princípio, na situação de concorrência das fontes. Aqui há várias normas, de idêntica fonte ou diversa, regendo a mesma situação jurídica, onde se resolve de forma harmoniosa a concorrência com a escolha da norma mais favorável, desde que não haja proibição pela fonte superior. Aqui se exalta a característica do direito do trabalho da flexibilidade, adaptabilidade pela multiplicidade de fontes e a concorrência harmoniosa entre estas, onde a solução não se dá, conforme já explicitado, pelo método tradicional, rígido, da hierarquia vertical das normas.
Na definição da concorrência harmoniosa das fontes, com a aplicação do princípio da norma mais favorável, o mestre De La Cueva, mencionado por Rodriguez, enfatiza:
"a lei é o ponto de partida, é o mínimo que não se poderá diminuir, mas não representa o direito, que necessariamente há de reger as relações obreiro-patronais. As demais fontes formais têm uma importância maior do que a que lhes é dada no direito civil; não se trata de preencher lacunas, mas de criar o direito que há de ser aplicado. (La Cueva,1943 apud Rodriguez, 2000,p.124)”.
Questão relevante é de se saber como analisar a norma mais favorável diante da situação concreta.
Para Maria do Rosário Palma Ramalho, em sua obra Dogmática Geral, Parte I (2009,p.90), a aplicação do princípio pressupõe a classificação das normas sobre as quais o princípio poderá incidir e a operação de comparação entre fontes, para determinar qual a mais favorável, a ser aplicada ao caso concreto.
Américo Plá Rodriguez (op.cit.,2000,p. 127), além dos elementos destacados por Ramalho acrescenta outros, como a comparação das normas levando em consideração a situação da coletividade trabalhadora interessada e não de um trabalhador isoladamente, a avaliação no caso concreto, observando os motivos inspiradores das normas e não o entendimento subjetivo dos interessados e uma unidade de medida para a comparação.
A classificação das normas torna-se relevante, na medida em que normas absolutamente imperativas (proibitivas ou de ordem pública) não são suscetíveis de sofrerem derrogação, nem para mais, nem para menos, sendo que as dispositivas estariam fora também do campo de atuação deste princípio. Uma vez feita a classificação e a verificação da possibilidade de incidência deste princípio, teríamos, ainda, o problema de qual unidade de medida seria mais adequada para a comparação. Surgiram para a solução deste questionamento basicamente três teorias. São as teorias da acumulação, conglobamento (incindibilidade) e conglobamento mitigado.
Para a teoria da acumulação extraem-se de cada norma as disposições mais favoráveis, separadamente, aplicando-as de forma acumulada. A crítica a esta teoria seria a sua visão atomista, isolando institutos jurídicos e conferindo ao intérprete uma função legislativa de criação de uma terceira norma, com o melhor dos dois mundos.
A segundo teoria, do conglobamento, é a mais aceita. Por esta a análise deve ser feita de forma ampla ou global. Ou seja, será verificada a norma mais benéfica considerando o benefício advindo do conjunto, do todo. A norma não deixará de pertencer a um sistema integrado. Admite-se também a teoria do conglobamento mitigado, limitado, que se diferencia do conglobamento total pela restrição da análise a um determinado instituto. Ou seja, para esta a análise comparativa para a definição da norma mais favorável levará em consideração um dado instituto, como, por exemplo, férias, gratificação natalina, dentre outros. Esta teoria diferencia-se da acumulação, uma vez que neste modelo há uma opção entre uma norma e outra, considerando os benefícios por instituto. Na teoria da acumulação o que se dá é a seleção de forma individual dos aspectos positivos de cada norma para a construção de um terceiro gênero.
No código do trabalho português, no art.503º/3 há previsão da aplicação do princípio da condição mais benéfica a partir da análise global na sucessão de convenções coletivas.
Por fim, há a referência à condição mais benéfica, diretamente relacionada às modificações no âmbito das cláusulas contratuais e com o direito adquirido. Desta forma, uma nova norma trabalhista não poderia reduzir as condições mais favoráveis em que se encontrava o trabalhador, antes da mudança implementada, por força da autonomia individual.
3.2 Relativização deste Princípio, defensores e opositores
Uma vez abordado os subprincípios decorrentes do princípio protetor, na teoria construída pelo jurista uruguaio Rodriguez, passemos ao exame da questão da crise deste princípio fundamental do direito do trabalho.
A questão da revisitação do princípio protetor está diretamente relacionada com o movimento de flexibilização das normas trabalhistas, reputadas muito rígidas à luz de trabalhadores não mais homogêneos, seja pela abertura do mercado no cenário internacional, seja pelos avanços tecnológicos, que geraram desemprego para uma mão-de-obra menos qualificada, mas, ao mesmo tempo, uma maior manutenção de trabalhadores no mercado pelo aumento da expectativa de vida e a inserção mais ampla da mulher naquele. Ou seja, há um evidente desequilíbrio entre a oferta de postos de trabalho e disponibilidade de mão –de-obra, o que gera um ambiente de ampla concorrência entre os trabalhadores. Do outro lado, o cenário não é diverso. A globalização ocasionou uma maior concorrência entre as empresas pela abertura sem reservas protecionistas do mercado, com consequente ampliação da plataforma de consumo e mudança do perfil do consumidor, que passou a ser mais exigente e menos fidelizado. Aliado a estes fatores há os ideais neoliberais da liberdade econômica, refletidos no não intervencionismo no mercado, desregulamentação do trabalho e Estado mínimo. A soma destes fatores leva ao inevitável caminho da flexibilização e relativização do princípio de proteção apresentados como soluções prementes para a diminuição das taxas de desemprego ante a geração de novos postos de trabalho, através da redução dos custos na contratação e no desligamento. Inobstante, os dados estatísticos ainda não evidenciam a relação direta entre a redução de direitos pela flexibilização e o aumento dos postos de trabalho, com a redução das taxas de desemprego, após o implemento das reformas nas legislações trabalhistas dos Estados, onde prevaleciam as fontes estatais .
Dentre os juristas portugueses favoráveis à revisitação e redução da importância na atualidade do princípio do tratamento mais favorável estão Bernando da Gama Lobo Xavier e Pedro Romano Martinez. Adotando uma postura mais moderada temos os juristas António Monteiro Fernandes e Maria do Rosário Palma Ramalho, que defendem a necessidade de mudanças, mas ainda reconhecem a importância do princípio na atualidade.
Há, ainda, os que criticam a prevalência deste princípio por entenderem que a substituição do favor laboratoris pela regra clássica de solução hierárquica dos conflitos levaria à substituição de um critério objetivo por um subjetivo, com instabilidade jurídica pela incerteza das decisões. Defendem que a aplicação da norma inferior apenas se justificaria na medida em que a própria norma superior a ela reservasse um campo específico de atuação para mais ou para menos, o que está hoje consagrado nos nºs 1 e 3 do art.3º, do CT/2009.
Em uma posição mais moderada António Monteiro Fernandes que sustenta “que não se pode prescindir do princípio nem convertê-lo numa espécie de receita universal.” Afirmando, ainda, em referência a alteração implementada pelo CT de 2003, art.4º:
“Deixa de constituir referencial interpretativo. O ponto de partida da operação interpretativa-qualificativa incidente sobre a norma legal (para se saber se pode aplicar-se a fonte inferior de conteúdo diferente) já não é a presunção de que essa norma admite variação em sentido mais favorável ao trabalhador, mas a de que admite variação em qualquer dos sentidos. Tal presunção só é afastada se da norma legal resultar inequivocamente que nenhuma variação é legítima, ou que só o será num dos sentidos possíveis.” (2009,p.124)
O mesmo posicionamento mais cauteloso adota Maria do Rosário Palma Ramalho, que reconhece a importância do princípio ainda atual, mas defende a necessidade da flexibilização pela negociação coletiva, como forma de redinamização do sistema laboral para abranger relações laborais atípicas, que revelam a heterogeneidade como um meio de garantir a própria subsistência do Direito do Trabalho, sob pena do seu esvaziamento.
Pela relevância e atualidade do princípio temos a abalizada opinião do Dr. João Leal Amado, que reputa que apenas de forma excepcional seria possível a mitigação do princípio para a prevalência de uma norma convencional sobre o comando da lei, ainda quando prejudicial. Nesse sentido, a transcrição dos seus fundamentos no artigo jurídico O Princípio do Tratamento mais Favorável ao Trabalhador e as Relações entre a Lei e a Convenção Colectiva em Portugal :
“Pela minha parte, continuo a considerar actuais as palavras do grande e saudoso Mestre ARNALDO SÜSSEKIND, segundo as quais «o princípio protetor, ou da proteção do trabalhador, erige-se como o mais importante e fundamental para a construção, interpretação e aplicação do Direito do Trabalho. A proteção social aos trabalhadores constitui a raiz sociológica do Direito do Trabalho e é imanente a todo o seu sistema jurídico». E, tal como o Mestre, também acredito que esse princípio-mater gera outros, que dele são filhos legítimos, desde logo o chamado princípio da norma mais favorável, «em virtude do qual, independentemente da sua colocação na escala hierárquica das normas jurídicas, aplica-se, em cada caso, a que for mais favorável ao trabalhador.Por isso mesmo, porque, a meu ver, ainda subsiste o fundamento que confere valor normativo ao princípio do favor laboratoris, a regra deveria ser a de que o legislado é “insuscetível de desmelhoramento” mediante o negociado. Poderia haver, sem dúvida, excepções a esta regra, mas, por muito numerosas que fossem as excepções, esta regra de princípio não deveria ser subvertida. Afinal, é da identidade mesma do nosso ramo de direito que estamos a falar, dos seus princípios básicos, da sua função central.” (Amado,2012).
No Brasil, defendendo a revisitação do princípio protetor na atualidade, temos a opinião de renomados juristas, destacando-se Arion Sayon Romita e Octavio Bueno Magno, em uma posição mais firme, e Amauri Mascaro Nascimento em uma visão mais moderada. Na polêmica entre a permanência e necessidade de revisitação ou supressão deste princípio do Direito do Trabalho, Américo Plá Rodriguez aborda, com maestria, em sua obra Princípios do Direito do Trabalho, os fundamentos da sua posição confrontando-os com os dos demais juristas.
As críticas do jurista Arion Sayon Romita são mais contundentes e podem ser resumidas nas convicções de que o Direito do Trabalho do séc. XXI não seria o mesmo da primeira Revolução Industrial. Assim, as modificações na economia, na tecnologia e na política ( Estado Democrático de Direito) devem repercutir, segundo sua linha de pensamento, nas relações de trabalho e no próprio Direito, que o regula. Defende que o afastamento atual do princípio da proteção não implicaria na recusa da autonomia científica do Direito do Trabalho, que se baseia na liberdade de trabalho e no princípio da democracia. Não seria função do direito proteger, mas regular a relação de trabalho, sendo que em prol da realização do ideal de justiça é que há a proteção. Ressalta que “o direito do trabalho como ramo do direito que é, não pode proteger o empregado. Deve-isto sim- regular a relação de trabalho para realizar o ideal de justiça mediante a previsão de garantias que compensem a inicial desigualdade social e econômica entre os sujeitos da relação.”Defende que o papel do Estado na sua produção legiferante seria “dar suporte” ao poder sindical o único que estaria apto a “contrabalançar a posição de desigualdade social em que o trabalhador se encontra em face do Estado e do empresário.” E, conclui, que é através do reforço da liberdade sindical com a substituição da unicidade pela pluralidade sindical, supressão na Constituição dos resquícios do autoritarismo e corporativismo, com a organização sindical por profissões e setores da economia e não por categorias é que se alcançará a amplitude da negociação coletiva, com a substituição da norma heterônoma pela decorrente da vontade dos parceiros sociais, com redução da conflitualidade, uma vez que a norma negociada será espontaneamente cumprida pelos empregadores.[7]
Entre os opositores da América Latina, Américo Plá Rodriguez (op.cit.,2000,p.) destaca ainda o jurista argentino Héctor Ruiz Moreno para o qual a divergência seria menor , porquanto reconheça a validade do princípio nos primórdios do direito do trabalho, questionando a sua permanência na atualidade pelo fortalecimento dos trabalhadores decorrentes da representação sindical.
Dentre os juristas que defendem que o caminho da flexibilização, com a redução de direitos dos trabalhadores e rebaixamento das condições de trabalho, não apresenta resultados justificáveis na maior produtividade ou no aumento de postos de trabalho, bandeiras defendidas pelo sistema neoliberal no sentido de que a rigidez das normas trabalhistas constitui um empecilho para a maior produtividade e competitividade das empresas no âmbito de uma economia globalizada, temos grande parte da doutrina, com destaque para o jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez.
No mais, o Direito do Trabalho representa um dos ramos jurídicos mais sensíveis à realidade social, não se justificando as críticas que lhe são dirigidas.
Assim, neste amplo debate sobre a atual relevância e funcionalidade deste princípio, comungamos com a opinião dos juristas que defendem a sobrevivência deste princípio diretamente relacionado com o DNA do direito do trabalho, que representam, ainda, a maioria Isto porque a própria heterogeneidade dos trabalhadores e descentralização do processo produtivo dificulta o fortalecimento das entidades sindicais, especialmente nos países menos desenvolvidos, com realidades diferenciadas dos mais desenvolvidos, onde há normalmente uma tradição de solidariedade social forte. Então, como relatado por Rodriguez, é de fato “um erro de avaliação dos fatos” o entendimento de que este princípio não é mais relevante a ponto de ser possível a sua substituição. A sua mitigação, como defendido por João Leal Amado, em situações pontuais, excepcionais, em uma flexibilização no formato de adaptação, não se confunde com a situação atual, como bem ponderado pelo jurista, de subversão, onde a maioria das normas passou a ter a natureza de “convênio-dispositiva”. Como um passe de mágica a intenção teleológica da norma imperativa relativa se transformou em dispositiva, de direitos mínimos para direitos máximos e os sindicatos passaram a ser representativos e combativos nas negociações coletivas, assegurando a igualdade material. A realidade, contudo, demonstra o contrário. Sindicatos enfraquecidos e tímidos pela baixa taxa de sindicalização, seja pela heterogeneidade dos trabalhadores, seja pelo crescimento constante dos índices de desempregados, pela falta de instrução adequada sobre a importância da consciência de classe ou pela baixa participação sindical no interior das empresas .
No sentido da dissociação do discurso de que a flexibilização generalizada das normas trabalhistas é o único recurso para o aumento da produtividade e estímulo da economia e que na flexibilização proposta pela tutela dos sindicatos haveria a plena igualdade de armas, temos as abalizadas opiniões dos Drs. Jair Aparecido Cardoso e Sandra Helena Favaretto, no artigo jurídico A Pevalência do Negociado sobre o Legislado Frente ao Postulado da Vedação do Retrocesso Social:
“Desse modo, é ingênua a ideia de que, nesse momento, possuem os sindicatos força suficiente para impor suas reivindicações perante os empregadores; é ilusório achar que há efetiva paridade entre os entes coletivos, o que só ocorre formalmente, ainda mais em época de declínio da figura sindical. Considerando que a organização sindical é parte essencial do direito do trabalho e do próprio sistema capitalista, mormente diante da intenção de sobreposição do negociado sobre o legislado, é indiscutível a urgência de valorização e garantia de condições reais de pressão das entidades sindicais, o que passa, inevitável e primeiramente, pela reforma sindical. (…)Contudo, mesmo com a implantação da reforma trabalhista, com redução de direitos e maleabilidade nas negociações coletivas, os EUA mantiveram taxa de desemprego em torno de 5% em 2016, segundo a Austin Rating, enquanto a Espanha chega a 19,9%. Sem a contrapartida do aumento de postos de trabalho, o que se vislumbrou após a flexibilização foram apenas seus efeitos colaterais: precarização das relações de trabalho, redução do patamar salarial, aumento dos acidentes do trabalho e dumping social entre as empresas.” ( 2016, p.6-8)
4 Mitigação do Princípio Protetor, prevalência do Negociado sobre o Legislado ainda que in pejus
O princípio do favor laboratoris além de inspirar as normas jurídicas é utilizado na solução dos conflitos das fontes, porquanto, conforme já verificado, no direito do trabalho há especificidade na hierarquia normativa, que não é rígida, sendo dotada de plasticidade. Há a particularidade da existência, além das normas heterônomas, de normas autônomas, que atuam no mesmo campo daquelas, havendo uma “harmoniosa concorrência”, como ponderado pelo jurista Delgado (2014, p.178), onde a “ norma que disciplina uma dada relação de modo mais benéfico ao trabalhador prevalecerá sobre as demais, sem derrogação permanente, mas mero preterimento, na situação concreta enfocada.” Existem, contudo, as normas inflexíveis, que não podem ser suscetíveis de modificação por questões de soberania, as denominadas normas de ordem pública, de inderrogabilidade absoluta, onde o princípio é inaplicável, situação que ainda perdura.
Em idêntico sentido a lição de Jorge Leite (2003,p.271) sobre o critério de hierarquia justrabalhista[8]:
“Assim enunciado, o princípio traduz-se numa técnica de resolução de conflitos, podendo, por isso, a regra correspondente ser designada como uma regra de competência, com implicações de modalização do critério da hierarquia. Na verdade, apesar da sua formulação, o que o citado art.13º da LCT dispõe é que o critério de aplicação não é o da norma superior mas o da norma mais favorável, critério que, no entanto, só prevalecerá sobre aquele se a tanto se não opuser a norma superior.”
Este era o cenário do direito laboral antes dos ventos das reformas trabalhistas, que inverteram esses sólidos padrões, mitigando o princípio protetor e colocando em xeque a própria especificidade do direito laboral.
Em Portugal o princípio do tratamento mais favorável foi integralmente consagrado no art. 13.º/1 da Lei do Contrato de Trabalho (Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969) e também pelo art.6º, da Lei dos Instrumentos de Regulamentação Colectiva (LRCT, Decreto-lei nº519-C1/79-art.6º/1, alíneas b e c-“contrariar normas legais imperativas e incluir qualquer disposição que importe para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o estabelecido por lei”), na relação entre a lei e os instrumentos de regulamentação coletiva, ficando assentado a prevalência da fonte de menor hierarquia em duas condições: não haja norma legal imperativa absoluta e que implique tratamento mais favorável do que o estabelecido por lei.
A partir de 2003 este princípio sofre forte restrição pelo Código do Trabalho de 2003 ( Lei nº99/2003, de 27 de agosto), que no seu art.4º/1 passou a dispor ironicamente , segundo Jorge Leite, sobre o título Princípio do Tratamento mais favorável, que as normas do código poderiam ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo quando delas resultasse o contrário. Houve uma evidente modificação do entendimento até então vigorante quanto ao princípio do favor laboratoris, porquanto não houve qualquer menção a condicionante do tratamento mais favorável ao trabalhador apenas que a norma não dispusesse em sentido contrário, ou seja, não obstasse tal modificação de forma expressa. Por este entendimento, a norma que não impedisse a alteração por instrumento de regulamentação coletiva poderia sofrer modificação em ambos os sentidos, tanto de forma mais favorável ao trabalhador quanto menos, tornando-se uma norma dispositiva, ou seja, prevaleceria enquanto os parceiros sociais não regulamentassem de forma diversa. O art.533º/1, alínea a, deste Código, fixou como limite ao objeto dos instrumentos de regulamentação coletiva a não contrariedade às normas legais imperativas, mas, de forma diversa da anterior regulamentação, não houve qualquer referência sobre a impossibilidade de concessão de tratamento mais prejudicial ao conferido pela lei.
Para Jorge Leite a modificação do artigo pôs em causa os princípios da norma mais favorável e o princípio da prescrição mínima, que são complementares, pois a norma mais favorável existe a partir do entendimento de que as normas laborais asseguram um mínimo de proteção, o denominado nível mínimo civilizatório, podendo ser modificadas em patamares superiores. Também expôs a sua interpretação sobre a modificação, que embora inserida de forma singela no texto acarretou grave mudança de paradigmas no direito laboral, tendo afirmado:
“Se bem interpretamos o citado artigo, ele quer dizer, precisamente, que uma convenção colectiva pode considerar não aplicável às relações por si reguladas uma ou várias normas do Código (11), estabelecendo ou não para as matérias contempladas uma diferente disciplina em sentido mais ( in melius) ou menos ( in pejus) favorável aos trabalhadores. Pelo menos aparentemente, para a convenção ser válida será necessário, mas também será suficiente, que da norma afastada não resulte o contrário, ou seja, que não resulte que não pode ser afastada e que a matéria em causa seja matéria de convenção coletiva.”
Conclui, ao final deste artigo, pela censura de constitucionalidade do preceito por entender que tais princípios embora não incluídos de forma explícita se concretizam pelos direitos sociais assegurados como fundamentais pelo legislador constituinte em diversos dispositivos. Logo, para o jurista, os diversos preceitos estabelecem patamares mínimos de proteção a partir dos quais os parceiros sociais podem concretizar os correspondentes equilíbrios e conclui:
“ Em conclusão, a possibilidade de afastamento por convenção colectiva, em sentido menos favorável aos trabalhadores, dos standards sociais legalmente estabelecidos, pode aceitar-se como excepção, mas não pode, sem censura constitucional, aceitar-se como princípio.” (ibidem,p.274).
Posteriormente, houve a revisão deste preceito pelo novo Código do Trabalho de 2009 de Portugal (Lei nº07/2009, de 12 de fevereiro), que passou a tratar do princípio do tratamento mais favorável no artigo 3º, nos. 01 e 03, sob o título Relações entre fontes de regulação e não mais Princípio do Tratamento mais Favorável. Embora tenha modificado a redação anterior, conferindo maior clareza aos limites da concorrência entre as fontes, com a previsão de um núcleo duro com matérias de maior relevância social do contrato de trabalho, excluídas da possibilidade da alteração in pejus, o princípio continuou mitigado pela possibilidade de modificação de uma fonte superior, como a lei, por uma fonte inferior, como a convenção coletiva, de forma menos favorável nas matérias excluídas do rol do art.3º/3 e quando não houvesse proibição na norma (“quando delas resultar o contrário”). As matérias elencadas no art.3º/3, alíneas “a” a “n” do CT de 2009 tratam, na essência, de direitos fundamentais, como direitos de personalidade, igualdade e não discriminação; proteção na parentalidade; trabalho de menores; trabalhador com capacidade reduzida , com deficiência ou doença crônica; trabalhador estudante; dever de informação do empregador; limites à duração dos períodos normais de trabalho diário e semanal; duração mínima dos períodos de repouso, incluindo a duração mínima do período anual de férias, duração máxima do trabalho dos trabalhadores noturnos; forma de cumprimento e garantias da retribuição, bem como pagamento de trabalho suplementar; capítulo sobre prevenção e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais e legislação que o regulamenta;transmissão de empresa ou estabelecimento e direitos dos representantes eleitos dos trabalhadores.
Monteiro Fernandes (ibidem,2019, 129-130) sustenta que: “Não está em causa o primado da lei imperativa. Tal como na LCT, em que se falava de ‘oposição’ da lei, o CT obsta ao ‘afastamento’ das normas legais por fonte inferior, quando daquelas normas ‘resultar o contrário’, isto é, que não podem ser afastadas. São duas maneiras de dizer a mesma coisa. (…) No CT, o ponto de partida da operação interpretativa-qualificativa incidente sobre a norma legal (para se poder aplicar a fonte inferior de conteúdo diferente) já não é a presunção de que essa norma admite variação em sentido mais favorável ao trabalhador, mas a de que admite variação em qualquer dos sentidos. Tal presunção só é afastada se da norma legal resultar inequivocamente que nenhuma variação é legítima ou que só o será num dos sentidos possíveis (ou seja, usando as palavras da lei, ‘se dela resultar o contrário’. Tal é a ‘posição de princípio’ adoptada pelo legislador de 2003 e mantida (como tal) na revisão de 2009 (artigo 3.º, n.º 1). No entanto, o Código revisto restringe fortemente o alcance dessa directiva geral. O artigo 3.º, n.º 3, supõe a prevalência do tratamento mais favorável, relativamente a um largo elenco de matérias, no qual se compreende tudo o que pode considerar-se essencial na construção do estatuto sócio-laboral derivado para o trabalhador do contrato de trabalho. Trata-se, manifestamente, de uma solução de compromisso que, todavia, acaba por representar, sob o ponto de vista prático, um verdadeiro retorno à situação anterior ao Código”.
Em síntese, embora tenha ocorrido uma evolução em relação ao texto anterior do CT de 2003, com a exclusão de certas matérias da flexibilização in pejus, o princípio da norma mais favorável restou mitigado em relação a todas as outras matérias ante a possibilidade de uma norma inferior prevalecer sobre uma superior ainda quando mais prejudicial, o que representa uma sensível ruptura a natureza e essência do Direito do Trabalho, que ao longo da evolução buscou a melhoria da condição de trabalho, diferenciando-se do direito civilista. Agora está trilhando o caminho inverso, cada vez mais próximo do direito civilista.
Contudo, como bem explicitado por Pinto (op.cit, 2015,p.1149), a mitigação não foi generalizada:
“No entanto, esta nova regra prevista no art. 3.°, n.° 1, do CT, não se estendeu ao Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, art. 4.°, n.° 1, que continua a manter a imperatividade (relativa ou absoluta) das normas do RCTFP onde os IRCT's, como fonte inferior, não podem estabelecer condições menos favoráveis ao trabalhador. Portanto, continua prevalecer aqui a regra do tratamento mais favorável ao trabalhador.”
No Brasil o processo de flexibilização ocorreu mais tardiamente, mas com idêntico desfecho. O princípio de proteção é amplamente usado nas três dimensões defendidas por Américo Plá Rodriguez, como norma mais favorável, como condição mais favorável e in dubio pro operario, sendo comum o uso como princípio interpretativo, o que difere da aplicação no direito português.
O princípio protetor, diferentemente do direito português, não foi explicitamente previsto, mas consagrado de forma implícita em dispositivos da lei celetista-CLT (Consolidação das Leis do Trabalho- Decreto-lei nº5.452/1943, de 01 de maio). O artigo 620 da CLT, com a redação originária, consagrava o princípio da norma mais favorável na concorrência entre acordos coletivos de trabalho e convenções. A nova redação advinda da reforma trabalhista, ocorrida com a Lei nº13.467/2017, de 13 de julho, vigente a partir de 11 de novembro, afastou por completo a aplicação deste princípio ao estabelecer a prevalência dos acordos sobre as convenções pela especificidade daquelas normas, o que ensejou a elaboração do Enunciado nº29 do Conamat 2018 ( op.cit):
“29. NORMAS COLETIVAS: PRINCÍPIO DA NORMA MAIS BENÉFICA I. Normas coletivas. Princípio da norma mais benéfica. Os acordos coletivos firmados não prejudicarão direitos garantidos pelas convenções coletivas de trabalho, em respeito à aplicação do princípio da norma mais favorável (art. 7º, caput, CF). Com efeito, a nova redação do artigo 620 da CLT, dada pela Lei 13.467/2017, não exclui a aplicação do princípio da norma mais favorável, de orientação e aplicação no Direito do Trabalho. II. Ademais, prevalecem em todo caso, em relação à matéria negociada, os princípios da proteção, e da inafastabilidade da tutela jurisdicional. III. A auditoria fiscal do trabalho possui o dever de exigir o cumprimento das normas laborais mais favoráveis ao trabalhador, o que inclui a possibilidade de verificação da aplicabilidade ou não de convenções e acordos coletivos de Trabalho sob aquela sistemática.”
Há, ainda, o art.428, §2º, da CLT, que consagra uma norma imperativa relativa, que admite flexibilização in melius na fixação do salário do aprendiz. Outro exemplo de aplicação do princípio da norma mais favorável, encontramos no art.3º, inciso II, da Lei nº7.064/82, que trata da situação de trabalhadores brasileiros contratados ou transferidos para prestarem serviços no exterior, quando o princípio da territorialidade ( elemento de conexão-local do foro) é mitigado pelo princípio da norma mais favorável brasileira, considerada no conjunto de normas e em relação a cada matéria . Optou-se pela aplicação do princípio pela teoria do conglobamento limitado por instituto.
Antes da reforma já se discutia na jurisprudência e doutrina os limites da negociação coletiva pelo princípio da adequação setorial negociada, que visava harmonizar a norma autônoma coletiva com a estatal, permitindo a flexibilização desta sempre que aquela fosse mais favorável ou , segundo Delgado (2014, p.1464), “quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa”, seja pela natureza da verba ou por autorização da própria lei. Havia e ainda há o limite da inderrogabilidade absoluta ( normas de ordem pública ou imperativas absolutas), que impedem qualquer margem de transação, seja para mais ou para menos. Com isto, o diálogo do direito coletivo com o individual se concretizava, ainda quando não houvesse expressa autorização de prevalência do negociado sobre o legislado.
Com a reforma flexibilizadora houve duro golpe ao princípio, com a modificação do art.611, da CLT, acrescentando-se duas letras, passando a existir o art.611 –A e B. Possibilitou-se, a partir de então, a mitigação deste princípio na mesma linha adotada em Portugal, com a possibilidade de flexibilização pela via da negociação coletiva de forma ampla, em duplo sentido, com exceção de algumas matérias nucleares, envolvendo os direitos mínimos consagrados no art.7º, da CRFB/88, onde foi preservada a aplicação do princípio da norma mais favorável, especificadas na letra B.[9] Também o princípio foi abalado na mudança da redação do art.620, da CLT, prevalecendo a especificidade sobre a proteção mais favorável ao estabelecer a primazia das cláusulas dos acordos coletivos sobre as das convenções coletivas, sem qualquer restrição.
A questão da constitucionalidade da flexibilização in pejus prevista no Código do Trabalho português ante ao alcance do princípio protetor chegou a ser confrontada no Tribunal Constitucional, no julgamento que originou o Acórdão do TC nº338/2010, oriundo do processo nº175/09, onde um grupo de deputados da Assembleia da República pediu a apreciação e declaração da inconstitucionalidade dos nºs 1 e 3, do art.3º do Código do Trabalho (Lei nº7/2009, de 12 de fevereiro 2009) em face à violação do princípio do tratamento mais favorável. O Autor da ação fundamentou a pretensão aduzindo que a modificação do art.3º, do CT estaria a por em causa o princípio constitucional do tratamento mais favorável ao trabalhador. Ou seja, defendeu a consagração deste princípio no âmbito da Constituição de Portugal, conforme sustentando por Jorge Leite.
Pela relevância destacam-se os seguintes argumentos suscitados em favor da inconstitucionalidade pela parte autora:
”Esta norma, ao permitir, como regra, a aprovação de instrumentos de regulamentação colectiva menos favoráveis ao trabalhador do que a lei, consubstancia uma descaracterização da natureza de limite mínimo das normas laborais, que radica na ideia da função protectiva da lei como meio de defesa do contraente mais débil, e constitui um desvirtuamento da função da contratação colectiva como instrumento de progresso social, mostrando-se manifestamente inconciliável com os princípios fundamentais do direito do trabalho perfilhados na nossa Constituição, nomeadamente o princípio do tratamento mais favorável do trabalhador como elemento estruturante da Constituição laboral. Efetivamente, vários comandos constitucionais devem ser interpretados no sentido de estabelecerem uma tutela mínima do trabalhador, designadamente os artigos 2º,9º, alíneas b) e d), 58º e 59º e 81º, alíneas a) e b), cabendo ao Estado, enquanto Estado social, prever e garantir um estatuto laboral mínimo de proteção, a partir do qual as partes, no exercício da sua autonomia colectiva, poderão concretizar os seus equilíbrios, mas sempre sem reduzir o nível de proteção mínima atribuído pela lei.”
O ponto fulcral foi sintetizado pelo relator como sendo:
“a questão não se pode, porém, limitar à existência, ou não, de um princípio do tratamento mais favorável. Será sempre necessário saber qual é o seu exacto sentido e alcance constitucional. Implicará ele realmente em um princípio da norma mínima, como pretende alguma doutrina ? E exigirá um tal princípio, caso se aceite, uma regra de imperatividade da lei ( e dos mínimos de proteção que ela contém) não apenas em face do contrato individual de trabalho, mas, também, em face dos instrumentos de regulamentação colectiva ?”
Na fundamentação do julgado, referente ao tópico princípio do tratamento mais favorável, o Tribunal Constitucional se posicionou pela constitucionalidade do art.3º/1/3, do Código do Trabalho. Da conclusão do acórdão é possível inferir que embora reconheça a existência implícita do princípio da norma mais favorável na Constituição pelo conjunto de direitos dos trabalhadores associados à democracia económica, social e cultural, o julgamento ressalta a existência de condicionantes nos princípios, não sendo absolutos. Ou seja, a resposta a questão fulcral destacada no início do julgamento foi no sentido de que o mínimo de proteção contida na norma apenas se aplicaria nas matérias ressalvadas pelo art.3º/3, do CT, sendo que nas demais, não havendo objeção da própria norma , a modificação bidirecional será possível pela via da negociação coletiva.
Assim, com base na ponderação, enfatiza a existência de condicionantes como a livre iniciativa econômica privada (art.61º CP) e o direito à contratação coletiva ( art.56º, nºs 3 e 4 ), os quais devem ser harmonizados com os direitos e garantias dos trabalhadores individualmente considerados, concluindo que a regra da imperatividade da lei deve prevalecer em face da autonomia individual, mas não em face da autonomia coletiva, que é também consagrada na Constituição.
No Brasil não houve enfrentamento direto pelo Supremo Tribunal Federal da constitucionalidade dos arts.611-A e B, da CLT diante da violação dos direitos mínimos previstos no art.7º até porque houve a devida limitação objetiva nas matérias do art.611-B, da CLT, que, com pontuais exceções, não deixaram margens a grandes discussões jurídicas. Contudo, o que não foi objeto de análise é a violação de um suposto princípio implícito de proteção contido na Constituição, a exemplo do que ocorreu no direito português, considerando idênticos fundamentos contidos na nossa Constituição (art.1º, incisos III e IV, art.6º e art.7º, caput, da CRFB/88). É possível imaginar que a solução não seria diversa da adotada pelo Tribunal Constitucional de Portugal ante a supremacia atual do domínio econômico sobre o social, que tende a ficar na sombra ou a reboque do primeiro.
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
A globalização econômica trouxe mudanças irreversíveis na sociedade e no mundo do trabalho. A conexão e interdependência do mundo, com o desaparecimento gradativo das fronteiras, teve por consequência a ampla circulação de capital, mercadorias e trabalhadores. As empresas cada vez mais enxutas se reiventam , com a ramificação de suas atividades nos mais diferentes locais em busca da ampliação do mercado consumidor e melhores condições fiscais e trabalhistas. Sob a influência dos ideais neoliberais, surge um forte movimento a favor da flexibilização das normas trabalhistas, a quem se atribuí a responsabilidade pela falta de dinamismo na produção e na criação de novos postos de trabalho para o combate do desemprego galopante provocado pelas novas tecnologias.
Apesar de todas as reformas trabalhistas, o que se conclui é que a subtração de direitos dos trabalhadores não tem correlação direta com o aumento de postos de trabalho e redução do desemprego, refletindo apenas os ideais neoliberais, tendo como resultado direto a precarização do trabalho, com uma polarização ainda maior dos trabalhadores. Surgem em um mesmo espaço de trabalho várias categoriais distintas, agravando-se a representatividade dos trabalhadores, a filiação sindical e o próprio declínio da produtividade pela perda de identidade com a empresa. Outro fator relevante a ser ponderado é que o trabalho não pode ser dissociado da dignidade do trabalhador, talvez isto explique a elevada produtividade dos trabalhadores mais bem pagos e especializados, mudança de mentalidade que vem levando empresas multinacionais a investirem na qualidade e bem-estar dos seus trabalhadores com um incremento na produtividade de forma direta e indireta com a redução do absenteísmo por doenças profissionais e acidentes do trabalho. Como bem advertido por Amado ( op.cit.,2019,p.24):“ Mas, antes e acima disso, a mão-de-obra são pessoas- é que, como alguém certa vez observou, o trabalho não existe, o que existe são pessoas que trabalham.« O trabalho não é uma mercadoria»!”
A observação de Jorge Leite e João Leal Amado no sentido de que a flexibilização in pejus pode ser defendida como exceção, em situações transitórias, parece-nos a solução mais razoável. Este tipo de flexibilização não pode ser utilizado como uma “nova normalidade”, porquanto apenas agravará ainda mais a débil situação financeira da grande massa de trabalhadores, que verão seus direitos minguarem sem qualquer compensação direta ou indireta. E, infelizmente, é comum que medidas restritivas tendam a ser incorporadas mesmo em tempos de normalidade, diferentemente das boas práticas.
Como bem ponderado por Américo Plá Rodrigues, Cardoso e Favaretto ( 2016, p.195) é totalmente ilusório o discurso que com a flexibilização abre-se espaço para maior atuação dos parceiros sociais, que, diferentemente das partes no contrato de trabalho, não sofrem da mesma desigualdade a justificar a permanência do princípio protetor. Patente que a igualdade material inexiste em momentos de elevadas taxas de desemprego, de políticas tendentes à redução da autonomia coletiva, com restrições evidentes à eficácia das convenções coletivas, com a crescente ramificação das empresas e fragmentação dos trabalhadores.
Então, é preciso buscar novas alternativas, que não levem a repetição de mais da mesma coisa. É fundamental a mudança estrutural, com a qualificação dos trabalhadores menos qualificados, e a melhoria das condições de trabalho para que se atinja o ideal de aumento da produtividade, sem que haja a redução dos direitos dos trabalhadores.
Forçoso, portanto, encerrar esta conclusão com a certeza de que o princípio protetor ainda permanece necessário, tanto quanto a especificidade do Direito do Trabalho, e que a prevalência do negociado in pejus sobre o legislado deve ser o último recurso e, quando usado, em doses homeopáticas.
REFERÊNCIAS
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[1] Para o professor catedrático da escola de Economia do Minho, António Mendes da Silva Ferraz:“Na realidade, Keynes na sua "Teoria Geral" apresenta conceitos e elementos inovadores face à anterior concepção "Clássica" vigente. Em primeiro lugar, assume particular destaque a convicção de que é fundamental a gestão por parte do Estado da procura agregada da economia para atingir o pleno emprego. Um segundo elemento que caracteriza o keynesiano é o que recomenda um reforço da "atividade redistributiva do Estado", ou seja, a criação do "Welfare State" (Economia do Bem-Estar ou Estado Providência). O "Welfare State" faz acrescer as obrigações do Estado no sentido de garantir uma distribuição mais equitativa do rendimento e da riqueza, bem como a prestação de certos serviços sociais como saúde, educação, habitação. Por outro lado, no que respeita às políticas de rendimento, a concertação social, incluindo Estado, empresários e trabalhadores, ajuda a conciliar o funcionamento da economia com o progresso social. Finalmente, o terceiro elemento tipicamente keynesiano é o "planeamento económico", introduzido nas economias ocidentais a partir do Pós-Guerra, não para substituir o mercado, mas para acelerar as atividades de reconstrução e, posteriormente, para orientar de forma já intencional a afetação dos recursos da economia nacional. Assim, nos anos posteriores à II Grande Guerra era grande a confiança depositada na capacidade do Estado para exercer funções de estabilização de conjuntura ("fine-tunning"), na estruturação da oferta de bens e serviços e na redistribuição do rendimento da riqueza. E parecia que os resultados correspondiam às expectativas. As décadas de 50 e 60 foram anos de ouro de progresso para as economias ocidentais, com crescimento rápido e livre de inflação e desemprego. Mas, como quase sempre sucede, no próprio culminar do êxito das ideias keynesianas e do intervencionismo do Estado, operavam já, subtilmente, os fatores que iriam abalar a confiança no sistema nos anos 70 em particular, a seguir aos "Choques Petrolíferos" de 1973 e de 1979 (e consequentes períodos de "estagflação").” ( Ferraz, 2013,p.52-53)
[2] La Flexibilidad Laboral y Los Princípios Orientadores del Derecho del Trabajo-Montevideu-1997-p.602
[3] Enunciados da Reforma Trabalhista realizados na 2º Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho de 2017 e no XIX CONAMAT de 2018 organização da ANAMATRA-2018). Disponível em https://www.anamatra.org.br/attachments/article/27175/livreto_RT_Jornada_19_Conamat_site.pdf. Acessado em 05 de junho de 2020.
[4] Cf. Jorge Leite, Código do Trabalho-questões de (in)constitucionalidade, Revista Questões Laborais, Ano X, ed. Coimbra: Coimbra,2003,p.271.
[5] “Dentro do que poderíamos chamar denominações genéricas podemos mencionar Menéndez Pidal, que fala do princípio tutelar, embora admita que a evolução do direito vai substituindo paulatinamente a noção de tutela, que evoca a ideia de menoridade, pela mais ampla, de proteção pelo que se poderia agora denominar princípio tutelar protetor; Russomano alude ao princípio de proteção tutelar; Kaskel-Dersch utilizam a expressão princípio protetor; Barassi emprega a expressão favor ao trabalho; a Monteiro Fernandes, que fala do princípio de favorecimento, e a Adomeit que o chama de princípio de favorabilidade.”(Rodriguez,2000,p.35)
[6] “Em nossa opinião, em sentido idêntico ao expressado por Fernández Gianotti, essa observação não é exata. O critério de interpretação tanto é válido quando as normas são poucas e rudimentares como quando são muitas e aperfeiçoadas, porque sua função não é substituir nem suprir o legislador, mas respeitá-lo, cumprir seus mandamentos até suas últimas conseqüências, atuando nos casos de dúvida, na conformidade com o seu espírito e com seu critério fundamental. Se o legislador é movido por um propósito protetor, o intérprete também deve estar animado do mesmo critério, qualquer que seja a etapa em que se encontre o desenvolvimento deste ramo do direito. Não compartilhamos, além disso, a ideia de que, no plano legislativo, o propósito protetor esteja em crise. Que o Direito do Trabalho não aborde mais os temas primários e elementares, porém que melhore as regulamentações, abarque outros aspectos mais difíceis, ou se introduza em temas diversos, não significa que haja mudado sua orientação fundamental, consubstanciada na proteção do trabalho.” (2000,p.43)
[7] A este propósito destaca Romita (op.cit.,2002): “Segundo uma quarta maneira de encarar a proteção – modo realista, de índole democrática – a proteção dos trabalhadores representa uma conquista do estado social e democrático de direito. A proteção visa à eliminação da desigualdade social e econômica entre o empregado e o empregador e a substituição da noção de igualdade meramente jurídica (formal) por uma igualdade material. Longe de desconfiar dos atores sociais, o Estado democrático neles deposita confiança e vê no entendimento direto das classes a melhor maneira de compor os recíprocos interesses. O antagonismo entre as classes é reconhecido, em vez de negado ou escamoteado. (...) A única visão do elemento "proteção" compatível com a democracia é a quarta. Para que ela venha a prevalecer no Brasil, porém, seria de rigor uma reforma não só de mentalidades como também da Constituição. Como a reforma das mentalidades é obra de gerações e só obedece à lei da história (a mestra da vida), não resta senão pugnar por uma reforma do texto constitucional.(...)Ao contrário do método autoritário, que se caracteriza pela desconfiança do Estado em relação aos interlocutores sociais, o método democrático repousa sobre o elemento confiança: o Estado confia em que trabalhadores e empresários, que têm interesses antagônicos mas não inconciliáveis, encontrem por meio da negociação coletiva as melhores soluções para a composição das respectivas pretensões. (...)Numa ordem democrática, inexiste possibilidade de antagonismo ou oposição entre o negociado e o legislado. Existiria apenas o negociado, pois o legislador se limitaria a promover as condições em que o negociado poderia expandir-se.”
[8] Cf. Jorge Leite, Questões Laborais, Ano X-2003, nº22, Código do Trabalho-questões de (in)constitucionalidade, Ed. Coimbra.
[9] Cf. Texto da CLT ( Decreto -lei nº5.452/43, de 01 de maio ) –“Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
I - normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social;(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017); II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);III - valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);IV - salário mínimo;(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);V - valor nominal do décimo terceiro salário;(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);VI - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);VII - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);VIII - salário-família; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);IX - repouso semanal remunerado; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);X - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017); XI - número de dias de férias devidas ao empregado; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);XII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);XIII - licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);XIV - licença-paternidade nos termos fixados em lei;(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);XV - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);XVI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);XVIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas;(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);XIX- aposentadoria; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);XX - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);XXI - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato; XXII - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência;(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);XXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) XXIV - medidas de proteção legal de crianças e adolescentes; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);XXV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);XXVI - liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho;(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);XXVII - direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender;(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);XXVIII - definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve;(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);XXIX - tributos e outros créditos de terceiros;(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);XXX - as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017).Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo.(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)”.